Pink Tax: a desigualdade de gênero estampada no consumo e no sistema tributário 

Ser mulher custa mais caro: segundo levantamento, pagamos, em média, 12,3% a mais em produtos idênticos aos direcionados ao público masculino
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Você já ouviu falar no termo Pink Tax ou Taxa Rosa? Talvez não, mas, sem dúvidas, você já foi a uma farmácia e percebeu que um produto, como uma lâmina de depilar que tem a mesma função de uma destinada ao público masculino para barbear, custa mais caro na prateleira destinada a mulheres.

Isso também se reflete em outros bens de consumo, como brinquedos e vestuário, e até para serviços, como corte de cabelo, como aponta pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). E o que será que essa discussão toda tem a ver com o sistema tributário brasileiro e a desigualdade de gênero?  

Neste artigo, vamos detalhar essas informações, conversar com uma advogada especialista em Direito Tributário, para te ajudar a esclarecer e se instruir sobre esse tema que precisa ganhar voz e se tornar relevante para uma reconstrução social. 

Pink Tax nosso de cada dia 

O pink tax é o termo usado para mostrar a diferença do custo entre produtos femininos e masculinos que possuem o mesmo objetivo ou função. Ou seja, como falamos anteriormente, pode haver produtos e serviços que são para a mesma finalidade, mas são mais caros quando embalados ou vendidos com caráter feminino. 

Segundo a advogada e professora tributarista, Isabelle Rocha, 37 anos, o pink tax não tem relação ainda com a questão dos tributos que vamos discutir mais a frente: “A primeira coisa importante para a gente esclarecer é que o termo “pink tax” é um termo econômico e de consumo, ele não é tributário, ou seja, não tem a ver com a tributação de bens de consumo feminino.”, explica. 

“É uma questão mercadológica e por diversas razões. Há teorias de marketing que afirmam que as mulheres têm mais disposição para gastar e para pagar mais caro por um produto se elas se sentirem acolhidas ou entenderem que aquilo ali vale a pena. O mercado usa diversos desses argumentos, mas no fim isso não se justifica, a não ser por um comportamento de rejeição de igualdade das condições sociais e de direitos entre homens e mulheres que está entranhado na nossa cultura econômica, comercial e social.”, completa.  

A ESPM em pesquisa publicada em 2018, nomeada por Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo, afirmou que esses produtos ditos femininos são apresentados com uma média de 12,3% de custo adicional, se compararmos aos mesmos produtos destinados aos homens. 

Indo mais no detalhe, no estudo vemos que em relação a vestuário adulto, as peças femininas são 17% mais caras do que as masculinas, para vestuário infantil e de bebê, 23%, para brinquedos 26%, produtos de higiene 4%, e serviço de corte de cabelo, 27% mais caro. 

Apesar de parecer fazer sentido de maneira mercadológica, como explicou Isabelle, a realidade social é bem diferente, pois sabemos que as mulheres, em geral, possuem remuneração salarial inferior à dos homens e enfrentam diversas dificuldades de posicionamento na construção social que vivemos.  

Além do pink tax: comportamento de consumo feminino 

De acordo com o PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, nós somos mais de 51% da população do país e, segundo dados da Nielsen, empresa global de análise de consumo, somos responsáveis pelas compras em 96% dos lares brasileiros, mesmo chefiando apenas 37% deles. 

Ainda dentro do levantamento da Nielsen, outros números interessantes sobre esses gastos realizados por mulheres, 21% são destinados a bens de consumo, 12% para despesas do lar, 11% em serviços de comunicação, 8% em saúde e 7% em educação. Dentro das vendas on-line, as mulheres representam 56,9% das consumidoras desse canal (e-commerce). 

Sistema tributário reforça desigualdade de gênero? 

Já em relação ao sistema tributário, Isabelle introduz:

“Devemos nos preocupar com a construção de um sistema tributário injusto em relação a gênero. Na teoria, essas taxas devem ser neutras e não podem causar mais desequilíbrio, pelo contrário, o tributo e os impostos como um todo, precisam ser instrumentos de justiça fiscal, e igualdade social e econômica. Caso não promova mais igualdade, no mínimo, não pode ser o motivo para mais diferenças.”

Essa discussão a respeito da reforma tributária no país vem ganhando espaço entre as notícias há algum tempo. Tem-se discutido nos poderes do Congresso brasileiro sobre os modos de tornar o Fisco Federal, que administra e fiscaliza o recolhimento de impostos de amplitude nacional, mais eficiente e ágil, além de propostas de unificação de taxas, eliminação de isenções e redução de burocracias. 

Nesse sentido, Isabelle que transformou a sua tese de mestrado no livro “Tributação e gênero: como o imposto de renda da pessoa física afeta as desigualdades entre homens e mulheres”, pontua a relevância desse tema estar mais acessível a todas as pessoas, não apenas aquelas que discutem sobre leis e conhecem termos jurídicos.

“A escolha do tema foi proposital, pois a minha motivação maior era construir uma narrativa que alcançasse mais pessoas e com razões que são importantes para mim, como a luta das mulheres na sociedade. O imposto de renda (IR) da pessoa física, que é por sua excelência um imposto mais pessoal de todos, é onde a gente consegue identificar de maneira mais clara os vieses de gênero e, eventualmente, de raça, que é por onde eu quero continuar a pesquisa, afinal, é impossível falar sobre a desigualdade entre homens e mulheres sem falar sobre desigualdade racial, porém eu não estava pronta para detalhar esse aspecto, até esse momento da pesquisa, para a tese.”, esclarece. 

Ela ainda acrescenta: “O pink tax acaba sendo uma tributação indireta, porque as taxas incidem pelo consumo, pelos impostos aplicados nos produtos e na sua cadeia produtiva. Ou seja, no bem que a pessoa compra. São vieses implícitos de desigualdade de gênero no que diz respeito à tributação.”.

Isabelle nos explica mudanças importantes em relação à tributação e a desigualdade de gênero em outro cenário importante da construção familiar contemporânea: 

“A pensão alimentícia, por exemplo, até 2021, era relacionada no IR de uma maneira mais onerosa para as mulheres do que para os homens, pois quem recebia a importância precisava pagar imposto sob esse valor, enquanto quem pagava poderia deduzir totalmente. Ou seja, havia um benefício fiscal com isso, uma redução considerável no imposto de renda para o pagador. Essa questão foi resolvida no Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou essa relação entre dedução e incidência inconstitucional, com a argumentação de gênero. Essa base é fundamentada pelo fato de que no Brasil mais de 60% dos filhos estão sob a guarda da mãe. Isso significa que, na maioria dos casos, quem paga a pensão é o homem, logo é quem mais recebe o benefício fiscal. Vale reforçarmos que a Lei nunca falou que a mulher ia pagar mais imposto de renda, ela diz que quem paga pode deduzir do imposto de renda, porém essa regra afeta a prática de comportamento presente na nossa sociedade, causando a desigualdade que estamos esclarecendo aqui.” 

Seja uma contribuinte

Por fim, questionamos Isabelle como nós mulheres podemos nos posicionar e atuar melhor nesses sentidos, tanto do pink tax, quanto das desigualdades da tributação. 

“Em relação ao pink tax o movimento é um pouco mais fácil, por se tratar de algo mercadológico. Conforme essa discussão ganha força, muitos produtos terão revisão dos preços, pois ficarão expostos para a sociedade. Vale a pena a gente comparar, sinalizar e divulgar nas nossas redes de contato, como nas redes sociais, marcando as empresas em questão e questionando o porquê de tal diferenciação para produtos semelhantes para homens e mulheres, mas com preços tão diferentes.”, pondera.

“Na parte tributária é um pouco mais complexo, porque a gente depende da vontade política dos legisladores. Você pode, por exemplo, cobrar do candidato eleito em que você votou nas Eleições, para que ele tenha uma postura positiva e crie projetos de lei que favoreçam esse olhar para o sistema tributário e para as regras tributárias existentes, com esse viés de gênero e raça que são importantes e devem ser considerados.”, finaliza. 

A informação e o conhecimento são, sem dúvidas, as nossas principais ferramentas para atuação em temas que nem sempre estamos confortáveis em participar ou debater. O pink tax é uma realidade no Brasil e em outros países no mundo. A tributação direta ou indireta, enfim, também. O que nos resta é compreender melhor sobre esses temas, para conseguir atingir mudanças que sejam significativas para o avanço da nossa sociedade. 

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