Maria Transformadora

Madu luta contra as estatísticas para concluir a graduação e levar uma vida regada à educação e arte
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Maria Transformadora
Em suas redes sociais Maria relata quase diariamente os episódios de transfobia que fazem parte do seu dia a dia

Este perfil faz parte da reportagem especial “Maria, Maria: Entenda como vivem as mulheres brasileiras”. Para acessar a série completa, clique aqui.

Maria Eduarda, 21 anos, atriz, professora e estudante de Sociologia

Nascida em Taubaté, interior de São Paulo, Maria Eduarda está na contramão das estatísticas de violência e exploração que permeiam a existência da população de transexuais e travestis. Aos 21 anos de idade, ela é atriz, professora e cursa o último ano da graduação em Sociologia na Unesp (Universidade Estadual Paulista). Apesar das inúmeras dificuldades atribuídas ao gênero, ela encara sua trajetória como um privilégio circunstancial. “Tenho certeza que me livrei de muitas situações na escola por ter pele branca e pela condição financeira da minha família. Eu frequentava a rede pública de ensino e levava uma vida de classe média, uma realidade totalmente diferente das demais crianças. Eu era considerada rica no colégio”.

O privilégio socioeconômico e racial de Madu, entretanto, não a fez passar ilesa pela homofobia e transfobia. Sim, homofobia. Maria passou por duas etapas em sua vida antes de se descobrir travesti: identidade gay e não binárie (pessoas que não se identificam com a limitação do gênero feminino ou masculino). Quando criança, ela conta que um episódio que a marcou aconteceu enquanto brincava com outros meninos em um clube frequentado por seu pai: “Eu estava brincando, encostei em um garoto e ele falou ‘não encosta em mim boiola’, não sabia o que aquilo significava, mas entendi que foi uma agressão. Para mim, essa é a pior palavra do mundo”. 

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A sensação de que as crianças sempre apontavam algo em reprovação fez com que Madu se isolasse e passasse muito tempo sozinha. O tempo consigo mesma era usado para descobrir e estudar temas gerais e que chamavam sua atenção, inclusive gênero e sexualidade. O contato com informações e conhecimentos que eram pouco abordados pedagogicamente levou Maria a falar abertamente sobre tais assuntos em sala de aula e inserir a cultura LGBT na escola. “A Etec promovia muitos projetos artísticos e esse era meu momento de libertação. Eu me montava de drag queen, eu era aquela que dava o nome. Antes não tinha esse tipo de expressão artística lá”. Tal vivência experimental durante seu período de formação fez Madu escolher o ofício de professora. “Quero trabalhar com alunos do ensino médio. Essa fase é crucial, ela determina quem você vai ser na vida adulta”.

“Quero ser professora durante a semana e atriz aos finais de semana. O importante é que a arte seja diária e semanal”

Mas Madu também entrou em contato com a dura realidade. Em suas redes sociais ela relata quase diariamente os episódios de transfobia que fazem parte do seu dia a dia. Entre uma fatia de bolo e um cigarro, Maria conta que costumava revidar as agressões verbais e psicológicas, até o dia em que a violência se tornou física. “Eu estava bebendo na rua com uma amiga travesti, quando encontramos uma pessoa menor de idade, LGBT, em situação de rua. Tentamos ajudá-la e fomos impedidas por um mototáxi que atendia pela região. Pedimos para ele não fazer nada, mas acabei acertada por um capacete no rosto. Até hoje, quando o tempo está frio, sinto um incômodo onde levei a pancada. Depois disso mudei de postura e entendi que violência não é brincadeira”.

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Segundo dados publicados pela ONG Transgender Europe (TGEu), pelo menos 868 travestis e homens e mulheres transexuais foram assassinados entre 2008 e 2016 no Brasil. O número coloca o país no topo do ranking de mortes de pessoas trans e travestis e representa mais que o triplo de homicídios registrados pelo segundo colocado, o México, com 256 assassinatos. Sobre a longevidade, a União Nacional LGBT aponta que uma travesti vive em média 35 anos no Brasil, menos que a metade da população geral, cuja expectativa é de 75 anos e meio de vida. E quando o assunto é a subsistência no mundo da prostituição, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), diz que 90% delas se prostitui para sobreviver.

Maria, no entanto, chegou até a universidade. O período universitário é marcado por grandes descobertas e acontecimentos para ela. Foi durante sua graduação que se encontrou enquanto mulher travesti e passou a fazer parte da Casestranha, coletiva de dança e performance composta majoritariamente por LGBTs e fundada por Vita Pereira, primeira travesti a exigir o direito e fazer uso do nome social na Unesp. Enquanto estudante, Madu também foi a primeira travesti a trabalhar no Sesc de Araraquara.

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Atualmente sem emprego formal, ela sonha com uma vida de arte e educação: “Quero trabalhar como arte educadora. Não quero parar de dar aulas de inglês, nem deixar o teatro de lado. Quero viajar fazendo teatro e quero peças minhas em cartaz. Meu maior sonho é abrir um bar, uma casa de shows. Quero ser professora durante a semana e atriz aos finais de semana. O importante é que a arte seja diária e semanal”.

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