Reportagem especial: Maria, Maria: Entenda como vivem as mulheres brasileiras

Um universo de 108 milhões de histórias Brasil adentro, um encontro entre ficção e realidade, e o ato de ser mulher aqui e agora
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Reportagem especial: Maria, Maria: um retrato sociocultural da mulher brasileira
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, as Marias somavam 11,6 milhões de pessoas, ou seja, o equivalente a 6,3% da população brasileira do período e a 12,3% das mulheres do país. Aproximadamente uma em cada doze brasileiras se chama Maria, o nome mais popular de todos os tempos

Esta reportagem especial será atualizada de segunda (17) à domingo (23), com a dição da história de uma Maria da vida real por dia. Boa leitura!

Marias, elas estão por toda parte: nas ruas, nos grandes e pequenos negócios, na política, nas escolas e fora delas, nos presídios, nas metrópoles e em cada município esquecido pelos quatro cantos do país. As Marias são brancas, amarelas, pretas e indígenas. Carregam dores, amores, sonhos, desigualdade e violência. Elas são mulheres e um prato cheio de múltiplas histórias, números, vidas e personalidades

No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, as Marias somavam 11,6 milhões de pessoas, ou seja, o equivalente a 6,3% da população brasileira do período e a 12,3% das mulheres do país. Aproximadamente uma em cada doze brasileiras se chama Maria, o nome mais popular de todos os tempos.

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Quanto à distribuição, apesar de 17% delas estarem no estado de São Paulo, a maior taxa de incidência do nome é no Piauí, onde o número chega a 362 mil em comparação à população total da região, de 3,1 milhões de pessoas.

Reportagem especial: Maria, Maria: um retrato sociocultural da mulher brasileira

A presença e popularidade delas é tão alta, que o segundo nome mais comum no Brasil não chega sequer à metade da população de Marias. Os Josés, na vice-liderança, somavam 5,7 milhões no ano do mesmo levantamento do IBGE. Na sequência, aparecem as Anas, Joãos e Antônios, com 3 milhões, 2,9 milhões e 2,3 milhões de representantes, respectivamente. 

A arte de ser Maria 

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Em setembro de 2018, Milton Nascimento reviveu um grande sucesso de sua autoria e de Fernando Brand, com a gravação do clipe da inesquecível canção “Maria, Maria”. A música, gravada pela primeira vez em 1978, no álbum Clube da Esquina, e que ficou marcada na voz de Elis Regina nos anos 80, narra uma história de luta, garra e sonho – atributos que geram identificação no povo brasileiro.

A Maria de Milton e Fernando de fato existiu. A música é dedicada a uma senhora que residia próximo a uma linha férrea e criava três filhos sozinha. A luta de Maria era para que suas crianças conseguissem estudar e acreditassem nas possibilidades da vida, apesar das dificuldades. Segundo dados do IBGE de 2015, o número de mães solos no Brasil é de 11,6 milhões. Esse cenário de configuração familiar é tão comum e abundante que, coincidentemente, o número de mães solteiras é similar à quantidade de Marias identificadas no país, de acordo com o último levantamento do IBGE. 

Filmes, livros, produções teatrais, séries e, principalmente, telenovelas, também fazem uso recorrente do tema. Nas novelas, a Maria normalmente representa uma mulher comum, trabalhadora, de classe baixa, honesta e que vence, um dia após o outro, cada necessidade e obstáculo impostos pela vida – sempre com uma reviravolta, o clímax da história. 

Em 1978, a Rede Globo produziu e transmitiu “Maria, Maria”, a primeira novela escrita por Manoel Carlos para a emissora. O enredo conta a história de Maria Helena, uma moça de família pobre do sertão, e Maria Dosá, mulher elegante e desejada na cidade de Xique- -Xique – ambas vividas pela atriz Nívea Maria. O caminho das duas personagens cruza com o do tropeiro Ricardo. Maria Dosá amava Ricardo, que amava Maria Helena. A trama foi exibida no mesmo ano de lançamento da música de nome homônimo, de Milton Nascimento e Fernando Brand. 

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Mais recentemente, em 2012, a Rede Globo transmitiu a novela “Cheias de Charme”. A narrativa central envolve três empregadas domésticas chamadas Maria da Penha, Maria Aparecida e Maria do Rosário – vividas respectivamente por Taís Araújo, Isabelle Drummond e Leandra Leal, nesta sequência – que  abandonam a profissão ao ganharem fama com a música “Vida de Empreguete”. A canção, criada exclusivamente para a telenovela, fez tanto sucesso que estourou nas rádios brasileiras, em um momento em que a vida imitou a arte.

Vida Maria 

As Marias retratadas no mundo artístico representam um primeiro estereótipo comum e de identificação. Mas ser mulher, ser Maria, pode ser isso, nada disso ou muito mais do lado de cá, na vida real. No Brasil, as mulheres chegam a mais de 108 milhões (51,7% da população) e formam 52,7% do eleitorado do país; 49,7% são autodeclaradas pretas ou pardas, e 448 mil são índias que, juntas, falam 274 idiomas indígenas. Os dados são do IBGE e do Tribunal Superior Eleitoral. 

Quando o assunto é educação, elas possuem mais formação: 23,5% das mulheres brancas, com 25 anos ou mais, possuem ensino superior, contra 20,7% dos homens. Apesar de representarem a maioria, entre a população preta de mesma faixa etária, apenas 10,4% das mulheres são graduadas – o número cai para 7% entre homens pretos.

Elas estudam mais, mas têm menor remuneração e ocupam menos cargos de liderança. Ainda segundo informações do IBGE, apesar de representarem 52,4% dos brasileiros em idade de trabalho, apenas 45,6% estão empregadas. Entre aqueles que possuem ensino superior completo, as mulheres recebem salários, em média, 45% menor que os dos homens. Dados do relatório International Business Report de 2020, da agência Grant Thornton, apontam que as mulheres ocupam 29% dos cargos de diretoria executiva, globalmente, e 20% das cadeiras de CEO.

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A herança patriarcal que a passos curtos e lentos é deixada para trás, reflete no trabalho e em casa. Logo, no ambiente familiar, as mulheres dedicam semanalmente 21,3 horas de suas vidas aos cuidados com a casa, filhos, marido e idosos, enquanto os homens despendem 10,4 horas, em média – menos que a metade do tempo dedicado por elas.

Maria das Dores 

Após um longo processo pela condenação de seu ex-marido, o caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes resultou na Lei nº 11.340, que leva seu nome e tem como objetivo coibir e punir a violência contra a mulher. Ela sofreu 23 anos de agressões e duas tentativas de assassinato por parte de Marco Antônio Heredia Viveros. Em uma delas ficou paraplégica. 

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Apesar de ser considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das melhores medidas de enfrentamento ao problema, segundo um estudo de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Lei Maria da Penha reduziu apenas 10% dos casos de feminicídio (quando o assassinato é motivado pela condição de ser mulher) praticados na casa da vítima. A cada duas horas, uma mulher morre vítima de feminicídio no Brasil e apenas 8% das cidades do país possuem unidades da Delegacia da Mulher (IBGE). 

O levantamento Violência Contra as Mulheres de 2019, do instituto Datafolha, diz que 27,4% da população feminina sofreu agressões nos 12 meses anteriores ao levantamento. Para 42% dessas mulheres, a violência ocorreu em casa. E 52%do total de vítimas não denunciaram o ocorrido. 

Reportagem especial: Maria, Maria: um retrato sociocultural da mulher brasileira

Esses números, que já eram alarmantes, ficaram ainda piores em decorrência do isolamento social causado pela epidemia global de Covid-19. O relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública informa que o atendimento da Polícia Militar às mulheres vítimas de violência doméstica cresceu 44% em São Paulo durante o mês de março de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado. O lugar mais seguro para se proteger de uma pandemia, em casa, tornou-se o mais perigoso para uma mulher.

Na tentativa de diminuir a curva das agressões, a senadora Rose Freitas apresentou um Projeto de Lei para facilitar as denúncias durante o período de isolamento social. A proposta prevê que as denúncias das ocorrências sejam feitas via telefone e internet, e a medida também é válida para casos de violência contra crianças e idosos. 

Colocar o dedo na ferida social causada às mulheres pode ser doloroso e parecer pessimista, mas é um mal necessário. É preciso que a sociedade esteja ciente e munida de informação para questionar e provocar mudanças. No passado, mulheres lutaram por direitos básicos como estudar, trabalhar, usar calças e votar – ações que agora são naturais, foram frutos de conquistas. Hoje, há Gabrielas, Brunas, Anandas, Amandas, Sílvias, Alessias, Annas, Karens e Jéssicas que tentam mudar pensamentos e posturas ultrapassadas, conscientemente ou não. Há Marias por todos os lados. Há mulheres por todos os cantos, vivendo e sofrendo as dores e alegrias de ser Maria, Maria.

Acompanhe a seguir sete Marias brasileiras e suas histórias de vida, cuidado, posicionamento e transformação:

Maria da Carne de Sol: Maria Barbosa, 84 anos, aposentada

Maria Barbosa tem 84 anos, nasceu no município de Cedro que tem cerca de 24 mil habitantes. Não frequentou escola e é considerada analfabeta — sabe apenas escrever seu nome. Mas lá, onde Maria deu o ar da graça, isso não é nada incomum. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) de 2018, do IBGE, a região do Nordeste ainda concentra a maior taxa de analfabetismo do país.  Para ler a história completa, clique aqui.

Maria Marcada: Maria Cristina, 60 anos, gerente de recursos humanos

Nascida em 1960, na capital de São Paulo, Maria Cristina, que não gosta de ser chamada de Maria, é uma mãe e avó dedicada que há nove anos trabalha em uma grande organização de inteligência de mídia, no departamento de recursos humanos. Porém, por trás desta mulher de costumes “comuns” há uma grande história de superação. Para ler a história completa, clique aqui.

Maria Transformadora: Maria Eduarda, 21 anos, atriz, professora e estudante de Sociologia

Nascida em Taubaté, interior de São Paulo, Maria Eduarda está na contramão das estatísticas de violência e exploração que permeiam a existência da população de transexuais e travestis. Aos 21 anos de idade, ela é atriz, professora e cursa o último ano da graduação em Sociologia na Unesp (Universidade Estadual Paulista). Apesar das inúmeras dificuldades atribuídas ao gênero, ela encara sua trajetória como um privilégio circunstancial. “Tenho certeza que me livrei de muitas situações na escola por ter pele branca e pela condição financeira da minha família. Eu frequentava a rede pública de ensino e levava uma vida de classe média, uma realidade totalmente diferente das demais crianças. Eu era considerada rica no colégio”. Para ler a história completa, clique aqui.

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