“O cenário está longe de ser o justo”, afirma Vanessa Gordilho, da QSaúde, sobre o mercado de inovação brasileiro

Diretora-geral da healtech destacou a desigualdade de gênero presente na liderança de startups nacionais
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Vanessa Gordilho é a diretora-geral da healtech QSaúde (Foto: Divulgação)

Natural de Salvador, na Bahia, Vanessa Gordilho começou a carreira aos 15 anos, como bailarina. Nesta época, ela chegou a se mudar para Alemanha para dançar de modo profissional em alguns dos maiores teatros do mundo. Encarnando a disciplina e o foco típicos do ballet clássico, no entanto, a gestora decidiu trocar de meio de atuação e voltar para o Brasil com o objetivo de estudar comunicação social.  

Desde então, a executiva chegou a passar por empresas como Fidelity, Gemalto, Mastercard e Getnet, além de cursar um MBA executivo em business pela UC San Diego. Com uma extensa bagagem profissional no ecossistema de inovação, atualmente Vanessa ocupa a cadeira diretora-geral da healtech QSaúde. 

Na posição, a líder integra o seleto time de mulheres à frente de startups brasileiras. Segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), apenas 16% das 12.000 empresas do tipo no país são comandadas por profissionais do gênero feminino. Entre as fundadoras, a desigualdade é ainda maior: apenas 5% das startups nacionais foram idealizadas por mulheres, conforme mostra o relatório “Female Founders Report 2021”, produzido pelo Distrito Dataminer em parceria com a B2Mamy e Endeavor.

Veja, a seguir, a entrevista de Vanessa Gordilho à Elas Que Lucrem:

Elas Que Lucrem: Pensando na questão da equidade de gênero, qual é o cenário do mercado de inovação para as mulheres brasileiras?

Vanessa Gordilho: Depois de muitos anos invisibilizadas no mercado de tecnologia, as mulheres estão conquistando espaço e evidência no mercado de trabalho. No entanto, o cenário está longe de ser o justo, considerando que ainda somos a minoria no segmento, sobretudo, em cargos de liderança. Sabemos que ainda existe diferença salarial entre homens e mulheres em muitas empresas, sendo que essa desigualdade também se repete em altos cargos no setor de tecnologia, onde a disparidade entre o salário entre executivos e executivas é de 36%. 

Além disso, empresas fundadas por mulheres apresentam maior dificuldade para receber investimento – apesar de gerarem mais receita. No mercado das startups, por exemplo, essa situação é ainda mais preocupante, porque apenas 5% delas são fundadas exclusivamente por mulheres, além do fato de que essas empresas também sofrem com a falta de aportes, recebendo, inclusive, menos da metade do valor investido nas que foram fundadas por homens.

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EQL: Usando sua própria trajetória como exemplo, quais os maiores desafios de ser uma mulher à frente de uma startup?

VG: Eu sempre trabalhei em grandes empresas, mas a QSaúde é a minha primeira experiência em uma startup. Dessa forma, eu considero que os desafios não estão relacionados apenas a estar a frente de uma empresa de inovação, mas de fazer essa migração de processos, fluxos e budget diferentes. 

Quando observamos a liderança feminina neste mercado, percebemos que não basta apenas ter experiência como líder, mas sim ter vivência  real com tecnologia, trabalho de dados e a criação de novos processos de gestão. Ou seja, os desafios são grandes e passam por problemas e complexidades muito distintas. 

Quando eu trabalhava em grandes empresas, nunca me preocupei em estar por dentro de temas relacionados a facilities, assuntos regulatórios e assuntos fiscais, por exemplo. Já agora, na QSaúde, esses tópicos fazem parte da minha rotina e são fundamentais para o sucesso do negócio.

EQL: Na sua opinião, como é possível fomentar a participação feminina em carreiras ligadas a liderança e inovação?

VG: A primeira coisa para estimular a presença das mulheres no mercado é ter uma maior oferta de oportunidades. As empresas também precisam olhar com mais cuidado para o potencial das colaboradoras e criar programas internos que foquem na formação e capacitação desses talentos. Como citei anteriormente, questões como equidade salarial e representatividade, além dos cargos de liderança, também são de extrema importância. Investir em vagas afirmativas, programa de estágio, trainee e bolsas de estudos são algumas das alternativas. 

Outra alternativa é a parceria entre companhias e escolas especializadas com o objetivo de capacitar e absorver os talentos já com o perfil necessário para as vagas.

EQL: De que forma as mulheres podem colaborar no segmento das healtechs, como é o caso da Qsaúde? Existe alguma soft-skill feminina que contribua para a atuação nesse setor?

VG: Normalmente, as mulheres tendem a ser mais atentas com relação a questões que envolvam a saúde e a qualidade de vida. E isso não só relacionado a elas, mas às pessoas com quem elas vivem. As mulheres também têm um olhar mais apurado em relação à promoção da diversidade de pensamentos nos espaços em que elas estão inseridas.

Aqui na QSaúde, temos muito esse olhar para a jornada da vida e da saúde. E isso é algo que trabalhamos com a sensibilidade para entender o momento do mundo, quais são as situações que exigem uma atenção redobrada, para, de fato, trazer uma prevenção diferenciada. Além disso, também pensamos em como esse serviço se encaixa nas rotinas diárias das pessoas, fazendo com que essa jornada seja muito segmentada, de maneira que cada pessoa sinta que ela é exclusiva.

EQL: Que conselho você daria para mulheres que sonham em ingressar no setor de inovação, mas continuam sofrendo com questões ligadas ao preconceito de gênero ou ainda a conciliação com a maternidade?

VG: O conselho que eu posso dar é ter muito foco e organização. A minha experiência como mãe e executiva é muito pautada no modo como eu administro as diferentes “caixinhas”. No meu momento mãe, sou focada em estar com as minhas filhas, enquanto no meu momento de executiva, sou 100% dedicada ao trabalho. E, apesar de conseguir administrar as duas, é impossível conciliar todas ao mesmo tempo. 

São vários “pratinhos rodando” ao mesmo tempo e, muitas vezes, eles caem. Não dá para a gente falar que tudo é sempre perfeito, porque não é. Por muito tempo procurei essa perfeição, mas hoje eu administro as expectativas para que eu não me frustre. Ainda assim, é possível conciliar – e não é fácil, entendendo que temos nossas limitações e que as caixinhas são diferentes, necessitando de dedicações diferentes.

EQL: Antes de ingressar no meio corporativo, você atuou como bailarina clássica na Alemanha. Como foi esse processo de transição de carreira e quais as semelhanças entre as duas profissões?

VG: Eu sempre busquei muito a minha felicidade e sempre apostei muito nos meus sonhos. Foi assim, que aos 15 anos, eu fui para a Alemanha ser bailarina profissional e investi na profissão. Eu acreditava que aquele sonho era o que me faria feliz, mas, apesar de ter sido uma carreira bem sucedida, eu cheguei em um momento em que precisava de algo mais para me fazer feliz e me sentir realizada. 

Depois que percebi isso, fui buscar outro caminho, que começou com o meu retorno para o Brasil e, depois, um MBA em business. Foi com essa experiência que eu me encontrei profissionalmente e decidi: “Quero ser uma executiva e trabalhar na área de tecnologia”. 

Como semelhança, eu vejo a magia/fascinação presente nas duas áreas. No ballet, essa magia é perceptível pela perfeição dos movimentos que encantam o público; já no mercado de inovação, ela consiste em encantar os clientes, engajar os nossos colaboradores. Eu costumo dizer que sigo dançando, apenas mudei os palcos. 

Além desse aspecto, eu considero que a maior semelhança entre o ballet e o mercado de tecnologia está no conjunto de características composto por determinação, resiliência, foco e metodologia. Inclusive, acredito que essas quatro fortalezas são indispensáveis – e pontos em comum – em qualquer profissão.

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