De estagiária a líder: o caminho pode ser dificil, mas é possível!

A realidade do mercado de trabalho para mulheres ainda não é das mais animadoras. Mas exemplos práticos mostram que é possível mudar as estatísticas, conseguir o próprio espaço e ampliar oportunidades para outras mulheres.
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Estudar, se formar, entrar em uma faculdade, conseguir um bom estágio, ser efetivada, crescer na empresa até alcançar um cargo de liderança. Essa ideia de desenvolvimento profissional linear tem se tornado cada vez mais rara, por mudanças na forma em que boa parte das pessoas olham para o mercado de trabalho hoje. Mas a verdade é que quando se é uma mulher, essa linearidade sempre foi incomum.

As dificuldades para o sexo feminino aparecem logo no começo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo LinkedIn em 2019, mulheres têm 13% menos chances de serem consideradas pelos recrutadores. Outro estudo feito pela Harvard Business Review mostrou, ainda, que para conseguirem a vaga, as mulheres precisam preencher 100% dos requisitos, enquanto os homens conseguem ser aprovados conquistando apenas 60% dos pontos considerados pelo entrevistador.

Não à toa, em 2020, menos da metade das mulheres aptas para trabalhar no Brasil estavam de fato no mercado de trabalho. O número ficou em 45,8% no terceiro trimestre de 2020, segundo os dados mais recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O nível mais baixo desde 1990, quando a taxa ficou em 44,2%.

E se os números expressam divergências grotescas logo na contratação, eles continuam mostrando essa disparidade quando olhamos para as mesas dos CEOs. Uma pesquisa feita pelo IBGE em 2017 apontou que apenas 37% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.

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Enquanto o cenário parece não ser tão favorável, no entanto, existem hoje mulheres que provam que tentar ser um ponto fora da curva pode fazer com que a linha se vire para o outro lado. Esse é o caso de Jéssica Muniz, co-fundadora e head de operações da BossaBox.

A administradora, hoje formada pela FGV, começou na StartUp ainda nova. Entrou no prédio como estagiária e, hoje, passa pelas portas e salas online para fazer importantes reuniões com todos os líderes da empresa, sendo ela própria uma delas.

Foto: Jessica Muniz, Head de Operações e Co-fundadora

A trajetória dela na StartUp, criada para ajudar outras pessoas a conquistarem empregos freelancers e empresas a montarem seus squads, começou em 2019, dois anos depois da empresa ser fundada. Pensar em trabalhar em uma empresa ligada à tecnologia foi um desafio e uma quebra de barreiras na cabeça de Jéssica no começo. Logo no primeiro dia, no entanto, a jovem percebeu que não precisava ter medo de falar. Tudo por um singelo, mas muito significativo, ponto de referência.

Ao entrar na empresa, ainda pequena na época, como toda jovem descobrindo um ambiente diferente, Jéssica logo rodou o olho pela sala. Foi lá que viu algo que quebrou com os próprios paradigmas que tinha instaurado na cabeça. Tudo porque uma das colaboradoras do negócio era uma mulher. Mulher que, ainda, atuava ativamente na área de programação.

“Achei tudo aquilo muito diferente da bagagem que eu tinha de Recife. Minha bagagem era um curso de Engenharia da Computação, como meu irmão fez, com uma sala preenchida apenas por homens. Foi muito diferente para mim ver uma mulher entre os homens, conseguindo trabalhar com tecnologia e construindo muita coisa”, conta.

De duas mãos trabalhando à uma comunidade unida

E foi ali, como estagiária vendo uma mulher como colaboradora e líder na área de tecnologia que as coisas começaram a mudar. Graças a energia acolhedora e seu ponto de referência, Jéssica conseguiu logo na primeira reunião tomar voz e atitude.

Enquanto homens discutiam sobre o futuro da empresa, ela deu um jeito de organizar a reunião, pegou uma caneta e foi logo colocando tudo que estavam falando de forma prática e visível na lousa. Hoje, a “ousadia” do primeiro dia vira motivo de risada e boas lembranças.

E se levantar para estruturar ideias em um quadro foi só o começo. Encantada pelo leque de oportunidades que enxergou em um lugar em que ela se sentia à vontade para falar e dar ideias, Jéssica logo foi crescendo na BossaBox. Em relativamente pouco tempo, já conhecia um pouquinho de cada área e foi convidada para ser líder. Hoje, ela está longe de ser o único ponto de referência para outras mulheres estagiárias que, assim como ela, chegam perdidas na empresa em busca de alguma oportunidade.

Muito pelo contrário, com o passar do tempo a realidade interna foi mudando e hoje a StartUp, que tinha apenas 6 funcionários quando ela entrou, já conta com 51 colaboradores. Destes, 54% são mulheres. A empresa de tecnologia segue mostrando que números de pesquisas não precisam ser regras também nas salas dos líderes. De 11 cargos de lideranças, 6 são ocupados por pessoas do sexo feminino.

E tudo isso, segundo Jéssica, aconteceu de forma natural, buscando olhar para as pessoas e possíveis contratações pela capacitação e identificação com a empresa, não por algum tipo de política interna para buscar a equidade de gênero. A head de operações já vê essa mudança também nos ‘Prolancers’ cadastrados no site, com um aumento da representatividade feminina. 

A profissional entende que hoje está em uma bolha que não necessariamente condiz com a realidade do mercado de trabalho – principalmente da área de tecnologia – Brasil afora. Apesar disso, vê o aumento da representatividade feminina sem a necessidade de uma política especificamente focada nisso com bons olhos. Afinal, para ela, esse aumento pode ser um reflexo das mulheres estarem buscando e conquistando mais e mais espaço em uma área predominantemente masculina.

Esse crescimento feminino na área da tecnologia não é uma exclusividade notada na BossaBox, ele está realmente acontecendo em todo o país. Entre os anos de 2015 a 2021, por exemplo, os dados do estudo “Women in Tech 2022”, da BairesDev, apontou um aumento de 16% para 40% na participação de mulheres na área da tecnologia no Brasil.

A realidade pode estar mudando, mas o caminho ainda é longo

Ouvir a história de Jéssica crescendo e tomando liberdade em uma empresa que ofereceu o caminho para ela percorrer pode fazer parecer com que essa trajetória tenha sido fácil. A verdade é que, como toda pessoa, a profissional encontrou e superou adversidades para conseguir crescer na carreira. E, como toda mulher, algumas dessas pedras no caminho tiveram sim a ver com seu gênero.

Na BossaBox, Jéssica conta que não se lembra de ter se sentido inferior por ser mulher. Em eventos externos e dentro da própria cabeça, no entanto, isso não foi 100% realidade. A administradora lembra de estar em grandes eventos e sentir que sua voz não foi ouvida, simplesmente por ser uma das únicas mulheres na sala. “Uma vez, estávamos em um evento de liderança e só tinha homens. E você via que a estrutura, os temas, eram todos pensados neles. E eu tentei. Tentei entrar nas rodas de conversa, me apresentar, fazer meu networking. E até falei com algumas pessoas, mas não senti muita abertura para ser ouvida. Depois comentei sobre isso com meus colegas e eles não tinham percebido o quão pequena era a quantidade de mulheres ali dentro e, por isso, eu tinha acabado ficando meio reclusa”, relembra.

E, apesar de estar em um ambiente acolhedor, a realidade da sociedade no restante de sua vida não tinha sido bem assim – como a de grande maioria das mulheres. As percepções instauradas em nossas cabeças pela própria vida também estavam presentes em Jéssica.

Por isso, apesar de ter conseguido evoluir e ter tido muitas vezes a coragem de mostrar sua voz, ela também precisou cravar lutas internas contra o próprio inconsciente. “Eu já cheguei a duvidar se deveria mesmo expor minha opinião para um cara mais velho que eu, com mais experiências na área. Mas hoje vejo que a gente pode falar, a gente pode dizer o que pensa e errar. O importante mesmo é perder esse medo. Porque desde sempre a gente vê as tecnologias e áreas da matemática muito como um espaço masculino, que não é para nós. E acho que isso traz muito medo”.

De mulher pra mulher: dicas para conquistar seu espaço

Seja em uma empresa predominantemente masculina, em uma totalmente mista ou majoritariamente feminina, a verdade é que esse medo de nos impormos sempre irá existir, de maneiras e intensidades diferentes. Isso acontece por todas as bagagens que carregamos ao longo da vida, que muitas vezes nos colocam em uma situação de incapaz, inferior. A luta contra esse medo de falar, no entanto, deve ser presente e diária. Jéssica traz algumas dicas para você conseguir também crescer na área que deseja.

Para ela, o primeiro passo é buscar referências. Seja ao seu redor ou na internet. “Uma vez me questionei quais eram minhas referências mulheres. E eu não tinha e fiquei com raiva de mim por isso. Então comecei a pesquisar. E uma coisa que me ajudou muito no início foi justamente essa busca”.

“Participei de muitos grupos relacionados a mulheres na liderança, cursos, palestras, de tudo um pouco. E isso é muito legal, porque quando você escuta, você se encontra como uma semelhante”, conta.

Outro ponto apontado por ela é pensar no pioneirismo. É normal se assustar com o novo, mas em algum ponto, algum dia, em algum lugar, alguém precisou fazer alguma coisa que hoje fazemos diariamente pela primeira vez. Então, precisamos trabalhar dentro de nós que errar faz parte, o que não pode é deixar de tentar.

“E terceiro, eu acho que a terapia é fundamental. Você se conhecer e enfrentar seus medos te ajuda a ter garra. A terapia sempre me ajudou a enfrentar todos os meus receios, mudar ideias e quebrar algumas coisas que a gente acha que é de um jeito, mas na verdade não é”, completa.

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