Mandala da Prosperidade: conheça a história de mulheres que são usadas para golpe financeiro

Esquema de pirâmide mistura discursos de empoderamento feminino e misticismos
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Um dia, uma amiga de sua confiança a convida para participar de um grupo formado só por mulher, em que cada uma doa uma quantia para ajudar uma das mulheres a realizar um sonho. Você é informada que, em algum momento, a sua hora de receber a quantia arrecadada também vai chegar.  

No início, pode até parecer uma ótima oportunidade de ajudar outras mulheres e de fazer um novo tipo de economia em que o dinheiro circule entre todas. Com certeza, você pensa que não tem como dar errado, porque sua amiga de confiança faz parte e teve um sonho com você, foi um sinal mágico. Ela não iria te arrastar para uma enrascada… mas arrastou! 

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Esse discurso da sororidade (irmandade entre as mulheres), somado a conceitos místicos para invocar a prosperidade é usado por diversos grupos para convencer mulheres a entrar em um esquema de pirâmide. Há diversos tipos e nomes para essas modalidades, como Mandala da Prosperidade, Tear dos Sonhos ou Tear da Abundância e afins. 

A EQL conversou com três mulheres que se envolveram de formas diferentes com a Mandala: Sheylli Caleffi, Ana* (nome ocultado) e Jozimara Jozami contam que foram abordadas por amigas a comparecerem em uma reunião do grupo. Elas descreveram suas histórias e como tudo funciona. Mas antes, vamos explicar aqui. 

O esquema

Mandala da Prosperidade: conheça a história de mulheres que são usadas para golpe financeiro

Não se sabe exatamente onde e como isso começou, mas o método de abordagem e formas de inserção não mudam. Funciona assim: uma “mulher água” está no centro da mandala e é aquela que vai receber o dinheiro. Duas “mulheres terra” organizam as reuniões e fazem o acompanhamento do grupo para que as mulheres não desistam do processo. Logo depois, estão as “mulheres vento”, um grupo de quatro pessoas que cada uma tem o dever de encontrar outras duas mulheres para participar e fechar a mandala, totalizando mais oito mulheres, chamadas de “mulheres fogo”. Cada mulher fogo que deve dar um “regalo”. 

“Regalo” em espanhol significa “presente”. No caso da Mandala significa uma doação em dinheiro. O valor pode variar de acordo com a organização que está realizando a roda de conversa. No caso de Sheylli, era de R$ 5.004, mas ela saiu fora logo na primeira reunião. Já Ziomara Jozami, pagou em dólar, exatamente US$ 1.440. Ana* entrou em duas mandalas diferentes, a primeira no valor de R$ 200 e a segunda com o mesmo valor encontrado por Sheylli. 

Quando as oito mulheres fogo dão o dinheiro, a roda “gira”. Isso significa que a mulher água, que recebeu o dinheiro, sai da mandala. Assim, as demais sobem para o nível superior. As mulheres terra se tornam novas mulheres água e assim sucessivamente. Dessa forma, a mandala se divide em duas outras e aquelas primeiras oito mulheres fogos se tornam mulheres vento, encarregadas de encontrar mais pessoas para entrarem nas novas mandalas.

Mandala da Prosperidade: conheça a história de mulheres que são usadas para golpe financeiro

Acolhimento e lavagem cerebral 

 As primeiras denúncias do esquema no Brasil começaram por volta de 2016, com um vídeo publicado pela professora de teatro e cinema Sheylli Caleffi, no YouTube, no mesmo ano denunciando o esquema. “Na época trabalhava em um coworking e uma menina que era minha colega me chamou para a Mandala, uma roda de conversa de mulheres que ajudam umas às outras. Eu já participava de grupos feministas para outros assuntos e achei a ideia incrível”, comenta Sheylli

Ela foi em uma reunião virtual pelo Zoom com outras mulheres presentes e diz que adorou tudo que foi dito. “No começo ninguém fala nada sobre envolver dinheiro, é uma reunião em que elas explicam como as mulheres precisam se ajudar e perguntam se você quer fazer parte do grupo. Quando eu disse sim, foi uma comemoração e foi aí que comecei a desconfiar. Perguntei o que era o ‘sim’ e começaram a falar do ‘regalo’”, complementa. 

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Segundo Sheylli e as outras entrevistadas, o “presente” é justificado como uma forma da mulher se livrar do apego material e da má relação com o dinheiro. Por já entender sobre questões financeiras, a professora de cinema começou a questionar as integrantes da roda sobre a parte financeira do grupo e entendeu que era um esquema de pirâmide. Quando perguntou sobre o tema, a resposta que recebeu foi: “pirâmide é masculino, triangular, finito. Mandala é circular, feminino, infinito. O que não responde a nada e era uma desconversa em palavras bonitas!”, completa. 

A abordagem de Ziomara Jozami, 54 anos, foi bem parecida. Imigrante argentina e professora de Yoga que mora em Búzios, no Rio de Janeiro, ela organizou um grupo de mulheres surfistas na cidade em conjunto com uma amiga. Conta que sempre gostou de assuntos espirituais. Ela e uma amiga criaram um grupo de apoio para mulheres aprenderem surf. “Uma menina que estava no grupo, super conhecida e amiga de toda a comunidade argentina daqui me chamou”. No caso dela, o pagamento foi em dólar e a vista. “Por coincidência, eu tinha o dinheiro depois que uma amiga da Argentina veio me visitar e me devolveu uma quantia que eu tinha emprestado à ela. Na época pensei que era um sinal mágico e entrei na roda”. 

Com saudades da família e amigos da Argentina, Ziomara diz que o tema ainda mexe muito com ela. “Me envolvi porque queria fazer parte de algo, levantar o espírito e o ânimo”. A menina que a chamou lhe disse que o grupo não estava interessado no dinheiro em si e que se comprometeram a devolver caso ela quisesse, porque diziam que não era essa a questão”. 

“Eu me senti muito feliz quando falei sim, imaginei que minha vida ia mudar. Convidei amigas e todo mundo. Com o tempo, a única coisa que eu fazia da minha vida era falar da mandala, era meu único tema de conversa, por isso que eu falo que tem algo de lavagem cerebral”. Ao mesmo tempo, a argentina conta que sofria muita pressão para que ela conseguisse duas convidadas. “Levei muitas amigas para as reuniões, algumas percebiam de cara que era pirâmide e não entravam. As mulheres que estavam acima de mim, diziam que era porque eu tinha uma relação ruim, que a culpa era minha de não conseguir as mulheres fogo”. 

Um ponto interessante citado por Ziomara é que o discurso do Tear dos Sonhos e Mandala da Prosperidade é muito forte dentro da comunidade argentina da cidade. “Foi uma argentina que começou com tudo isso aqui”. Ela conta que depois que decidiu sair da Mandala, a comunidade começou a excluí-la e que a vê como ameaça. “Sempre que as vejo conversando com alguma mulher nova na praia, eu abordo a pessoa e conto a minha história”. 

Como ela disse, levou amigas para o Tear que percebiam o esquema piramidal e quando o grupo se recusava a devolver o dinheiro para elas, começava a questionar a real intenção da Mandala. “Foi como tirar uma venda dos olhos”. Ela conta que conseguiu seu dinheiro de volta, após ameaçar contar o que sabia para polícia, mas suas amigas ainda não receberam o dinheiro. 

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Para Ana*, a história foi um pouco diferente. Ela lembra que era chamada periodicamente por uma mesma amiga de trabalho, mas que sempre negou. “Eu me sinto muito estúpida hoje, porque já sabia na época que era pirâmdide”. Mas em 2019 ela passou por um processo de divórcio e ficou em uma situação muito complicada de dinheiro. “Estava muito vulnerável, quando outras amigas que confiava muito me chamaram novamente e eu aceitei”, conta Ana*, que prefere se manter no anonimato por ter muitos conhecidos ainda envolvidos no esquema. 

Por precisar de dinheiro rápido entrou em duas mandalas diferentes. “Não tinha os R$ 5 mil para entrar na Mandala de maior retorno e começou uma certa pressão sutil para dar o dinheiro. Elas davam ideias como fazer rifas e pegar emprestado, mas isso não é fazer ‘surgir o dinheiro’, como elas alegavam”. Então pensei em entrar em uma que tinha um valor menor, aproximadamente R$ 200 e que daria um valor de R$ 600 para tentar entrar na outra”.

Tanto ela quanto Ziomara começaram a perceber que o processo de ascensão dentro da roda não andava por causa da quantidade de gente necessária para “fazer a roda girar”, mesmo que outras mulheres já tivessem dado seu dinheiro. Por sorte, Ana saiu antes de pagar qualquer coisa e se mudou de cidade. “Agora faço o dinheiro ‘surgir’ com o meu trabalho”, ela brinca. 

Mas é fato que o esquema constitui o crime de estelionato. O grupo induz mulheres a dar seu dinheiro na esperança de retorno rápido, com discurso de companheirismo e fortalecimento feminino para obterem vantagens próprias. A prática de pirâmide financeira é um crime contra a economia popular de acordo com a Lei de número 1.521, de 1951.

“Durante a pandemia, só comia arroz e ovo e nenhuma das meninas da Mandala perguntavam se eu estava bem ou precisava de algo, porque eu já tinha saído. Que tipo de irmandade e companheirismo é esse? Enquanto isso, a menina que me convidou já participou da roda umas 7 vezes e eu vejo que ela não precisa do dinheiro, mas fica entrando e convencendo novas pessoas aqui na cidade”, diz Ziomara. 

Para Sheylli, a melhor forma de combater o golpe é denunciar o grupo. “O esquema de pirâmide é crime no Brasil, mas há pouca vontade de investigar porque tem poucas denúncias. Um dos principais fatores das mulheres não quererem denunciar é para não prejudicar familiares e amigas que as convenceram a entrar na Mandala”, afirma Sheylli, que atualmente coordena diversos grupos de denúncias e conscientização sobre o Tear dos Sonhos e outras rodas com nomes diferentes. 

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