Não trabalho fora, e agora? Também posso cuidar e falar sobre dinheiro em casa?

Seja seu trabalho fora ou dentro do lar, você também faz parte da estrutura econômica da sua casa e deve, sim, ter autonomia para tomar decisões financeiras
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Limpar a casa, lavar roupa, fazer comida, cuidar dos filhos, passear com o pet… ufa! Não tem como negar que o trabalho exigido para conseguir administrar um lar e fazer com que tudo funcione de forma harmoniosa é enorme! E, por mais que podemos sim afirmar que, com o passar do tempo, as atividades em casa estão sendo cada vez mais distribuídas e divididas entre o casal, as mulheres ainda são as que mais se dedicam a essas tarefas.

De fato, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), em 2018, uma em cada cinco mulheres não procurava trabalho remunerado porque precisava cuidar dos afazeres domésticos. Um ano depois, em 2019, uma outra pesquisa também do IBGE apontou que as mulheres dedicavam, em média, 10 horas por semana a mais que os homens para essas tarefas de casa.

É nesse ambiente ainda muito desigual que nos inserimos hoje. Seja por opção ou necessidade, o fato é que boa parte das mulheres acabam sim ficando em casa e deixando o emprego remunerado de lado para conseguir dar conta dos filhos e cuidados do lar.

Nessa configuração, é muito comum que, com o passar do tempo, essa mulher acabe sendo excluída de assuntos financeiros, já que – na teoria – o único gerador de renda na casa é homem. Essa teoria, no entanto, não é real na prática. O trabalho doméstico e cuidado com os filhos é sim gerador de lucro – ou pelo menos ajuda a economizar os gastos – e deve ser considerado como tal.

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Não se engane! Seja por qualquer motivo que te fez ficar em casa em vez de trabalhar fora, seu esforço deve sim ser valorizado e você pode – e deve – ter voz na vida financeira de casa. Não, o homem não está fazendo um favor e te sustentando, você é essencial para o funcionamento do lar.

“É importante que as mulheres saibam que o ato de cuidar dos filhos, da sua higiene, da sua educação, recreação, cuidar da casa, manter limpa e organizada, não é apenas amor, mas sim um trabalho não pago. Devido a uma escolha do casal, para sua organização doméstica e financeira, essa mulher fica em casa para cuidar de muitas e muitas tarefas que exigem esforço físico, mental, e acima de tudo emocional”, ressalta Diana Bonar, especialista em comunicação não violenta e gestão de conflitos.

Começar uma conversa como essa, no entanto, nem sempre é fácil, principalmente nos lares que já funcionam dessa forma há um tempo. Mas, muitas vezes, é preciso sair da zona de conforto e conversar sobre os tópicos que também nos incomodam.

Como começar essa conversa?

Começar um assunto como esse com seu parceiro quando nunca antes abordaram o tema pode não ser fácil, dependendo da forma que as coisas funcionam na sua casa. Por isso, é essencial estar preparada e saber como e o que falar. O objetivo aqui é mostrar que você também faz parte da economia da casa e deve ter voz na vida financeira do lar no geral.

Como apontado por Diana Bonar, em primeiro lugar, “é importante que essa mulher inicie a conversa com a consciência de que ela não está fazendo um favor, e sim dedicando horas da sua vida para cuidar, sem ser remunerada”.

1) Use informações

Como em toda e qualquer discussão sobre algo técnico e/ou importante, é essencial que você se muna de informações, para saber exatamente o que está falando. Se a ideia inicial for, por exemplo, mostrar ao seu parceiro o valor que seu trabalho tem dentro de casa, uma ótima forma é colocar na ponta do lápis e mostrar, literalmente, o quanto vocês gastariam caso você optasse por trabalhar fora também.

Para dar um exemplo prático, vamos pensar que você é a responsável por limpar a casa, cozinha e cuidar de um único filho do casal. Nesse sentido, caso trabalhasse fora, a limpeza da casa ficaria com uma funcionária doméstica ou faxineira. Se optarem por contratar um serviço diário, os gastos seriam, em média, de R$1.500 por mês. A cozinha também precisaria ficar por conta de terceiros. Supondo que você escolha usar marmitas apenas para o almoço e “se virar” em casa no jantar, o gasto médio seria de, pelo menos, 50 reais por dia, considerando duas marmitas e, possivelmente, alguma opção infantil para a criança em restaurantes de pratos feitos baratos. Só aí já vão mais R$1.000 no mês, sem contar os finais de semana. Além disso tudo, considerando que você também cuida do filho de vocês, caso trabalhasse fora precisaria contratar uma babá, que também custaria uma média de R$1.000 por mês. Isso sempre pensando de forma econômica, no intuito de gastar o mínimo possível. Ou seja, colocando na ponta do lápis, seus serviços em casa valem, em média, R$3.500 por mês.

E não, não estamos falando que o marido deve pagar essa quantia ou algum valor parecido mensal para você continuar cuidando do lar, afinal, essa não é a realidade da maioria dos lares. Esse cálculo médio é, na verdade, uma forma de mostrar que seu trabalho também gira a economia da casa, uma vez que reduz consideravelmente as contas no fim do mês.

Outra forma de se informar para esse papo, como apontado por Mariana Hangel, é buscar entender sobre economia e finanças no geral, como está o mundo, inflação e entender um pouco sobre investimentos. “A primeira coisa que eu diria é: pedir espaço para o parceiro dizendo que gostaria de participar no intuito de ajudar e de entender como está a situação da família e como eles podem fazer planos e reservas para situações emergenciais e reservas para lazer e etc. Começar de uma forma leve, mas dizendo que gostaria de ajudar e se disponibilizando para essa função”, orienta.

2) Use a “terceira história”

A especialista em comunicação não violenta e gestão de conflitos Diana Bonar aconselha que, na hora de ter conversas difíceis como essa, uma boa opção é buscar por aquilo que os profissionais da área chamam de “terceira história”. A ideia consta em, basicamente, evitar colocar lados, dizendo que um está certo e o outro errado, mas sim, buscar ver as coisas com um olhar mais amplo.

A profissional dá exemplos práticos: “Nessa ideia de que um está certo e outro errado, você poderia falar, por exemplo, ‘estou exausta com esse trabalho doméstico, não é justo você trabalhar fora o dia todo e eu não ter dinheiro nenhum’. Já na ideia da terceira história, essa mesma fala seria: ‘Nós escolhemos uma divisão de trabalho, onde eu trabalho cuidando e organizando e você trabalha fora. A diferença é que o seu trabalho é remunerado, e o meu não é. E essa questão está pesando para mim, porque também acho importante que eu tenha independência e autonomia financeira. A minha escolha por trabalhar fora incluiria outros gastos com babá ou creche, não é mesmo? Gostaria de conversar sobre isso’”, exemplifica.

Seguindo essa mesma linha, a neurocientista Juliana Niza ressalta a importância de entender que cada pessoa é única e tem uma forma de ver e pensar as coisas e precisamos respeitar essas diferenças. “Em primeiro lugar precisamos entender a importância de termos opiniões diferentes e que não existe uma verdade absoluta. A verdade absoluta é sempre aquela que você acredita”.

Tendo isso em mente, a profissional aponta mais uma vez a necessidade de olhar para a estratégia da comunicação: ou seja, a forma de conversar. “Existem formas e formas de falar algo e, às vezes, quando a gente impõe uma decisão ou uma ideia, automaticamente o inconsciente da outra pessoa tende a rejeitar essa nova informação. Esse é um processo científico: toda vez que tento introduzir uma nova proposta ao meu inconsciente, a primeira resposta dele é a rejeição. Uma das formas de evitar que isso aconteça é não impor o que você está falando, mas sim, explicar a importância daquilo”, completa. Uma dica é sempre usar o “nós” em vez de “você”. Falando, por exemplo, “nós podemos tentar uma forma nova de conversar sobre as finanças” e não “você precisa agir de tal forma”.

De olho nas emoções: nem tudo sai como planejado

Como já ressaltado pelas profissionais, todos nós temos nossas próprias verdades e formas de ver o mundo. Com isso, por mais que nos preparemos para uma conversa, nem sempre ela sai como imaginado e é normal se sentir frustrada se o outro lado não agir como você esperava ou não entender completamente a ideia que você gostaria de passar.

“Considerando que a sociedade é dominada por um pensamento patriarcal que costuma desvalorizar a mulher e o trabalho da mulher, um conflito provável é o não reconhecimento do investimento de tempo e vida para essas tarefas de cuidar. Isso pode ser extremamente frustrante, especialmente para esta mulher que está sem fonte de renda e “presa” nessa organização familiar”, aponta Diana Bonar.

A conversa pode não seguir de forma esperada por vários motivos: desde o não entendimento do outro lado até um momento de frustração que faz com que você não fale tudo exatamente como planejado. “Principalmente quando se trata de relacionamento, muitas vezes a gente fala algo que não queria”, lembra Juliana Niza. Nessas situações, a neurocientista ressalta a importância de buscar entender o que aconteceu e ceder. Voltar na conversa, buscar pelos pontos que você também errou e tentar entrar no assunto de novo.

O importante aqui é tentar sim entender o ponto de vista do seu parceiro e escutá-lo com cautela, mas não deixar seus argumentos e sua visão escorrer pelo ralo. Se notar que isso está acontecendo e se sentir invalidada, talvez seja o momento de abrir os olhos para uma possível relação não saudável ou tóxica e buscar formas de lidar com essa outra questão que possa vir a aparecer.

Em suma: gerando ou não renda de forma direta, você também faz parte e é membro essencial da estrutura da sua família em todos os aspectos, incluindo o financeiro. Nesse sentido, você pode – e deve – fazer parte de decisões e ter voz ativa nas contas e dinheiro. O ideal é tentar chegar em um consenso e entender uma forma de resolver essas questões de maneira satisfatória para os dois lados.

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