Fim da coisa julgada: entenda decisão do STF que pode trazer dívida de R$ 290 milhões ao Grupo Pão de Açúcar

Mudança nas regras vai fazer com que empresas tenham que pagar valores retroativos de 2007 até 2023
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Já pensou acordar com uma dívida de R$ 290 milhões? Pois foi isso que aconteceu com o Grupo Pão de Açúcar no último mês. O motivo do desfalque foi uma decisão recente do STF que deu um fim à chamada ‘coisa julgada’ no âmbito tributário. Na prática, a decisão significa que pode haver alteração sobre o entendimento de decisões já encerradas na Justiça.

“A ‘coisa julgada’ é uma decisão que foi tomada e não cabe mais recurso. Ou seja, podemos dizer que é como uma decisão perfeita, que não teria um risco de alteração”, explica a advogada tributarista Eduarda Prada Radtke, do escritório Flávio Pinheiro Neto Advogados. “E isso vale para todos os tipos de processos, não só o tributário. Então a parte envolvida nessa demanda jurídica teoricamente teria segurança de que aquela decisão é definitiva e que ela não iria mudar”, completa.

A decisão recente, no entanto, altera um pouco essa realidade para casos tributários. Ou seja, decisões que teoricamente já tinham sido feitas podem ser desfeitas. A justificativa da mudança explica que “a coisa julgada vale enquanto permanecerem as mesmas condições fáticas e jurídicas. No entanto, quando a Suprema Corte decide que um tributo é devido, a partir daquele momento, todos têm que pagar”, conforme nota publicada pelo próprio STF.

Termos técnicos à parte, o que os ministros responsáveis pela decisão alegam é que não é justo com a concorrência uma empresa precisar pagar uma contribuição e outras não. A mudança refere-se principalmente à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e altera um direito que o Grupo Pão de Açúcar, entre outras empresas, tinham até o momento de não pagar a contribuição. Com a mudança, essas empresas entraram em uma dívida retroativa, ou seja, vão ter que pagar o valor devido desde 2007 até agora. No caso do GPA, essa quantia chegou nos assustadores R$ 290 milhões.

O que é a CSLL?

Para entender melhor tudo que está acontecendo e como isso pode ou não impactar sua empresa, primeiro é preciso entender o que é a tal Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, mais conhecida como CSLL.

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Criada em 1998, a CSLL já passou por uma série de mudanças desde então, mas a ideia principal da contribuição continua a mesma: financiar a seguridade social. Ela veio como um complemento da tributação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Um dos principais pontos que diferenciam as duas tributações, no entanto, é que, enquanto parte da arrecadação do IRPJ é dividida com outros entes federativos, a arrecadação da CSLL fica integralmente com a União, para financiamento da seguridade social.

Toda empresa, das mais simples às maiores, precisa pagar essa contribuição. O que difere é a porcentagem e a forma na qual ela é arrecadada. No caso da Simples Nacional, mais conhecida como MEI, essa contribuição é de valor único e está embutida no valor mensal que esses contribuintes precisam pagar. Já em outros tipos de empresas, como as de Lucro Presumido e Lucro Real, a tributação é cobrada a partir de um percentual do lucro declarado por essa empresa.

Por que algumas empresas não pagavam essa contribuição?

A mudança impacta principalmente alguns casos que receberam o direito de não pagar esse tributo em 1992. Entre as empresas que tinham esse direito está o Grupo Pão de Açúcar. Na época, em julgamento, algumas empresas conseguiram esse benefício de não pagar a CLSS.

Em 2007, no entanto, houve uma nova decisão. Como explicado pela advogada tributarista Eduarda Prada Radtke, de 2007 para cá o STF pontuou que todos deveriam sim pagar essa contribuição. “Desde então ficou um imbróglio jurídico em relação a isso, para entender se mudava ou não a situação dessas empresas que conseguiram esse direito de não pagar em 1992. Foi então que, nesse ano, eles tomaram essa decisão e surgiu essa grande polêmica”, explica a profissional.

As empresas envolvidas terão prejuízos?

Acordar com uma dívida de centenas de milhões certamente não se configura em nenhum benefício. Mas será que a mudança foi de fato um prejuízo, ou uma aposta na sorte? Essa é justamente a questão que está dividindo opiniões no momento.

De um lado, Luís Roberto Barroso defende que, como o STF tomou a decisão da necessidade do pagamento dessa contribuição em 2007, nenhuma empresa pode dizer que foi pega de surpresa. Ele afirma, ainda, que a decisão atual não deve trazer prejuízos ou insegurança financeira para as empresas já que, quem deixou de pagar a tributação mesmo depois da decisão de 2007 teria feito uma espécie de “aposta”.

“A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que era devido, continuar a não pagar e a não provisionar. (…) Se você for num cassino e fizer uma aposta você está num quadro de insegurança jurídica e pode ganhar ou perder. De modo que a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”, explicou, como apontado em nota publicada pelo STF.

De outro lado, defensores das empresas alegam que não fizeram uma aposta, afinal, tinham em mãos uma decisão jurídica que apontava que não precisavam pagar essa contribuição.

“Essa fala (do Barroso) é uma das mais polêmicas deste julgamento todo. Os tributaristas, advogados, não encaram essa decisão de não pagar como uma ‘aposta’. Afinal, existia uma decisão, ela ainda existe, que veio de um processo que seguiu todas as regras constitucionais. E essa decisão, em 92, concedeu a esses contribuintes o direito de não recolher a contribuição social sobre o lucro líquido. Então não se tratava de uma proposta, tratava-se do cumprimento de uma decisão judicial”, explica Eduarda.

“Ocorre que, de 2007 em diante, os contribuintes entraram nessa discussão junto com a Fazenda Nacional. E só agora, em 2023, que tivemos uma resolução. Então, ao invés de focar nessa questão do contribuinte que deveria ter provisionado o dinheiro, que fez uma aposta e tudo mais, é muito mais importante que a gente discuta a demora da prestação. O fato de que desde 2007 até 2023 esses contribuintes estarem esperando uma decisão”, completa.

Vai ter negociação?

Depois da decisão do STF, já começaram a pipocar tentativas de facilitar o pagamento por parte das empresas. Um exemplo é a do deputado Gilson Marques (Novo), que criou o projeto de lei 512/23, propondo um programa de renegociação dessas dívidas.

O projeto prevê seis planos de pagamento, com prazos de 20, 15, 10, 5 e 2,5 anos, além de pagamento à vista, com reduções nas multas, juros e encargos legais, a depender do prazo escolhido pelo contribuinte – regra geral, quanto mais longo o parcelamento, menor é o desconto, como apontado pelo site da Câmara.

A advogada tributarista que conversamos acredita que provavelmente haverá algum tipo de negociação dessa dívida, não necessariamente nos moldes estipulados por Gilson Marques. Mas que, como estamos falando de valores altos e empresas grandes, provavelmente veremos algum tipo de acordo para que as empresas consigam realizar o pagamento.

Quem deve se preocupar com essa mudança?

Sim, estamos falando sobre uma mudança na regra do jogo em relação à área tributária de empresas (que, diga-se de passagem, deixa muito empresário de cabelo em pé!). Mas você pode ficar tranquilo que muito provavelmente isso não irá afetar o seu negócio.

A regra (e possível dívida) só muda para aquelas empresas que, em algum momento, conseguiram essa concessão de não pagar certas contribuições, como a CSLL, e não pagam esses tributos de 2007 para cá. Ou seja, se sua empresa não tem nenhuma decisão jurídica que permitiu o não pagamento de algum imposto, você pode ficar tranquilo!

Para Eduarda Prada Radtke, porém, mesmo que sua empresa não seja afetada com essas mudanças, talvez toda essa polêmica possa servir como um empurrão para conversar com seu contador, entender mais sobre as tributações pagas e garantir que tudo está conforme devido.

“Dê uma pesquisada, converse com algum advogado, aproveite o momento e esse ensejo para para assumir esse papel de empreendedor nessa parte meio chata, que é a parte fiscal também, né? Então aproveite esse chacoalhão! Busque entender melhor como esse tributo se comporta dentro da tua empresa”, aconselha.

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