Existe idade limite para mudar de carreira?

O que parece um passo muito ousado e até difícil, pode virar seu novo projeto de vida. Confira nossas dicas!
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A advogada e jornalista Fernanda Barbosa tinha 17 anos quando fez o vestibular para a faculdade de jornalismo. Escolheu a carreira como muitos jovens fazem, tendo como base as matérias de que mais gostava no Ensino Médio. Pesou também o fato de gostar de história, de ler, escrever e aprender sobre novos assuntos.

Durante o curso de jornalismo, percebeu que precisaria de mais habilidades para ser bem-sucedida na carreira e que não tinha conhecimento sobre o mercado de trabalho, ou o dia a dia da profissão. Claro que tudo isso não é impedimento para uma pessoa se encontrar numa determinada carreira, mas, para Fernanda, pesou.

“Algumas habilidades eu desenvolvi, mas outras eram simplesmente muito difíceis para mim, porque iam contra a minha personalidade. Isso eu percebi antes mesmo de terminar minha faculdade, mas eu não queria abandonar, porque tinha sido difícil passar para lá. Era uma faculdade pública, um vestibular muito concorrido”, relembra Fernanda.

Mesmo com essas percepções, ela seguiu no jornalismo. Tentou se adaptar à carreira, não desistiu, até pela preocupação com as contas a pagar, mas, aos 37 anos, a virada aconteceu.

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“Certo dia, eu saí do meu trabalho e tive que parar meu carro na estrada. E, neste momento, pensei ‘Como eu tô triste! Eu estou muito triste e eu preciso fazer algo a respeito’. Eu sabia que aquela tristeza vinha da minha área profissional e foi ali que eu decidi que precisava agir rápido. Foi quando decidi me matricular na faculdade de Direito”

O sentimento de Fernanda Barbosa é compartilhado por mais pessoas do que imaginamos. De acordo com a pesquisa do Instituto ADP Research, quatro em cada cinco brasileiros consideram mudar de carreira. Os motivos que levam a essa decisão são diversos, mas passam, principalmente, por vontade de empreender, insatisfação pessoal e até preocupação com a saúde mental. 

Qual o tempo certo ou o limite para mudar?

Sempre vão existir desafios, mas especialistas no assunto consideram que nunca é tarde para mudar. Muitas mulheres acima dos 35 podem achar que não devem arriscar e fazer uma transição de carreira, mas é preciso pensar no próprio momento e nas motivações.

“Qualidade do trabalho, relacionamentos, valores praticados, natureza do que se faz, perspectivas, oportunidades e remuneração…tudo isso pode parecer muito pouco dentro do que estou querendo naquele momento e surge a inquietação. Nunca é tarde para rever a trajetória, fazer um levantamento de tudo o que se sabe e escutar a si mesma. Até onde isto me leva e por quanto tempo vou suportar a insatisfação? É possível conseguir outra oportunidade? O que eu posso fazer para ir à frente em outra carreira, em novo ciclo de vida? É necessário evitar desculpas e a sensação de impotência para poder superar e se apropriar do que você sabe”, orienta Rosa Bernhoeft, especialista em liderança e gestão de pessoas, CEO da Alba Consultoria. 

No Brasil, as mulheres mudam mais de carreira do que os homens. Um estudo da EBAC, instituição de ensino com foco em educação continuada e desenvolvimento de competências profissionais, revelou que 52% dos brasileiros já mudaram de carreira ao menos uma vez. Quando avaliamos o gênero, as mulheres representam 55% das pessoas que mudaram de carreira, enquanto os homens chegam a 48,5%.

Na análise de idades, a pesquisa revelou que 67% das pessoas que mudaram de carreira estão acima dos 55 anos e 61% têm entre 35 e 54 anos.

Mais do que nos anos de vida, ao mudar de carreira é preciso pensar em motivação, capacidade e planejamento. 

“As mulheres, mesmo que sejam muito mais velhas, valem pela sua capacidade, pela convicção que elas têm sobre o que elas sabem fazer ou podem entregar. Então, não tenha medo, não se desqualifique. Vá em frente, se estruture, faça um bom plano e se você sabe produzir, ensinar, executar, entregar e lidar com pessoas, tem muitos aspectos da sua história que você pode explorar. Muitas mulheres estão tendo sucesso com novas empreitadas. Olhe para esses modelos sem tentar imitar, mas, sim, para se inspirar”, aconselha Rosa Bernhoeft. 

O que pode desafiar mais as mulheres?

Elas mudam mais de carreira, mas, nesse processo, nem sempre as motivações ou desafios enfrentados por mulheres e homens serão os mesmos. É importante considerar alguns fatores, como aponta a especialista em desenvolvimento humano e saúde mental da Humanare, Liliana Loureiro:

Maternidade

“O público feminino se destaca por protagonizar as transições de carreira, não pela oportunidade ou vontade, mas, na maioria das vezes, por necessidade. O Burnout e a insatisfação pelo trabalho são, sem dúvidas, os fatores determinantes nesta mudança, mas arrisco a dizer que a maternidade e outras responsabilidades familiares têm dado o tom dessa decisão. A escolha por filhos costuma ser seguida da adaptação na carreira, na opção pelo empreendedorismo, no risco de ser desligada da empresa ao retornar da licença maternidade ou dos três acontecimentos juntos”, explica Liliana. 

Etarismo

As mulheres sofrem mais as consequências do preconceito pela idade, principalmente quando estão mais velhas. Mesmo assim, o assunto já vem sendo mais discutido na sociedade e não podemos esquecer que experiência e maturidade podem ser pontos a favor no mercado. 

“As discussões sobre etarismo estão denunciando essa crença limitante sobre a baixa produtividade ao avançar da idade, pois profissionais acima dos 35 estão no auge de sua carreira e continuam buscando desenvolver novas competências. Abandonamos um modelo profissional que permanecia décadas em uma mesma empresa e área de atuação. Hoje é comum pessoas transitarem em diferentes disciplinas e, com isso, ampliam suas oportunidades de trabalho. Sem dúvida, um artifício fabuloso para mulheres que precisam retornar ao mercado de trabalho ou que escolhem empreender seus próprios negócios. Quanto maior o repertório, melhor”, aponta a especialista.

Dinheiro

Estudos já citados em outras reportagens da EQL mostram que mulheres costumam receber menos do que os homens, mesmo quando têm a mesma escolaridade ou exercem a mesma função numa empresa. Com isso, elas têm maior dificuldade para buscar uma autonomia financeira. Não podemos ignorar que é necessário organizar os recursos para pensar na mudança de carreira. 

“É preciso fazer um recorte para falarmos de transição de carreira. A grande maioria das mulheres brasileiras não terão recursos para fazer essa mudança, ou para fazê-la de forma rápida. Fazer um planejamento e ter redes de conhecimento pode ajudar. Muitas vezes mudanças internas são necessárias, pequenas mudanças na rotina, na forma de consumo e estilo de vida, pois tudo isso impacta. Será mais desafiador, mas gosto de pensar que nunca é impossível”, incentiva Liliana.

Afinal, por onde começar?

E vamos voltar na história da Fernanda, que migrou do Jornalismo para o Direito? Nada acontece de uma hora para outra. O primeiro movimento pode exigir reflexão e coragem, mas, depois, vem o processo de mudança em si, que pede organização, dedicação, paciência e, por que não, ousadia.

“O passo inicial foi simplesmente aceitar que eu teria que fazer aquela mudança sem idealizações, ir direto ao ponto, sem pensar no momento ideal, na faculdade ideal, no horário ideal. Eu me matriculei na faculdade mais próxima, com o valor que eu poderia pagar, no horário em que meu marido já estivesse em casa e conversei com as crianças, que passaram a se acostumar a ver a mãe sentada em frente ao computador para estudar. Pensei que sentiria um pouco de desconforto quando chegasse para as aulas, sendo a mais velha. Engano meu. Eram muitos alunos iguais a mim, já na faixa dos 40 anos que, por motivos diversos, estavam naquela jornada”, conta Fernanda.

A especialista em desenvolvimento humano, Liliana Loureiro, reforça que o início da mudança acontece em nós mesmas.

“A autora Brené Brown conta que, para ter coragem, é preciso um tanto de vulnerabilidade, se expor em alguma medida, entrar na área sabendo que desafios virão nesse processo e que isso faz parte”.

Após entender que é hora de mudar de carreira, é importante planejar. Liliana destaca algumas dicas:

  • Se possível, conte com a ajuda de uma profissional da área de transição de carreiras;
  • Pesquise sobre o mercado de trabalho de interesse;
  • Busque notícias e leituras para te abastecer de informações sobre a carreira pretendida;
  • Conheça e estude sobre profissionais de referência no setor e perfis nas redes sociais;
  • Invista em capacitação: faça cursos e busque formas de se desenvolver na nova área;
  • Networking é fundamental: convide pessoas do ramo de interesse para uma conversa. Não faça essas conexões com o intuito de pedir nada, foque em conhecer e aprender.
  • Entenda os riscos: não é possível garantir que o resultado da mudança de carreira será positivo e alguns fatores reais precisam ser considerados. “Esteja seguro o suficiente para arriscar, porque sonho não paga conta, mas se existe vontade e a situação favorece, no caso de algum fator externo estar impulsionando essa mudança, sem dúvida, novos horizontes são sempre oportunidades”, conclui Liliana. 

Foco também no emocional

Não podemos ignorar que, como seres humanos, vamos sentir emoções diversas no processo de mudança de carreira. Pode ser confiança, medo, cansaço, esperança…às vezes, até mesmo um pouco de tudo isso e muito mais ao longo da caminhada. É normal e esperado, porque uma mudança de carreira afeta vários aspectos da vida, como rotina, relacionamentos e até a saúde. Por isso, autoconhecimento e, novamente, o planejamento serão aliados. Se houver uma rede de apoio, que incentiva e acolhe nos momentos difíceis, melhor ainda. 

“Escolher mudar de carreira é algo que demanda coragem, principalmente para as mulheres que ficam em segundo plano nas contratações, em nichos e negócios mais tradicionais ou majoritariamente masculinos. Já convivemos com incertezas, inseguranças e medos que são alimentados diariamente por uma sociedade ainda muito desigual. A síndrome da impostora, uma insegurança que toda mulher já vivenciou é um dos grandes sequestradores de potenciais femininos, pois nos faz sentir e acreditar que não somos boas o suficiente, que não damos conta. Percebo esse sentimento em um ciclo de reforço onde mulheres acuadas pelo medo não protagonizam e, dessa forma, confirmam ao mercado e a própria sociedade que não são boas o suficiente. Hoje é mais fácil romper com esses ciclos pois existe mais espaço para isso, além de apoio e exemplos que nos servem de inspiração. Movimentos como ‘uma sobe e puxa a outra’ são exemplos de intervenções que vêm mudando esse cenário”, explica Liliana. 

Valorize a sua caminhada

Mudar de carreira não anula a importância de toda a trajetória anterior, nem os conhecimentos adquiridos. Pelo contrário! Tudo é vivência e experiência, mesmo que você mude para uma área que não parece relacionada à anterior. 

“O curso de Direito me abriu muitas portas, tenho as melhores expectativas. Tenho certeza de que conseguirei unir o Direito aos meus conhecimentos de Comunicação, explorando novos nichos, porque aprendi que tudo o que vivi antes não precisa ser totalmente descartado, ele pode ser ressignificado”, finaliza a advogada e jornalista Fernanda Barbosa. 

Então, não sinta que perdeu tempo de vida, ou que nada antes valeu a pena. Seja pelo conhecimento adquirido, seja pelas pessoas que passaram por você e por toda a maturidade alcançada, tudo é parte do que você é hoje e será no futuro. 

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