Uma chinesa no Brasil: como Si Liao transformou um canal do YouTube na edtech do maior curso de mandarim do país

Fundadora do Pula Muralha, Sisi veio a São Paulo para um intercâmbio e se apaixonou pelo ofício de ensinar sua língua nativa para estrangeiros
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Si Liao
Si Liao, ou apenas Sisi, é professora e a empresária por trás do Pula Muralha (Foto: Divulgação)

Em linha reta, 16.622 quilômetros separam o Brasil da China. Para Si Liao, essa não foi uma distância tão significativa, afinal, aos 25 anos, ela embarcou em um avião rumo à maior cidade da América Latina. Aluna de literatura em língua chinesa do outro lado do mundo, Sisi, como os brasileiros a chamam, chegou a São Paulo como intercambista em uma parceria da Universidade de Wuhan com a Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). 

Por aqui, ela ensinou chinês para universitários e, na sala de aula, confirmou que seu sonho de longa data era sua vocação da vida: ser professora. “Nunca achei que poderia ensinar chinês para estrangeiros. Sempre pensei em ensinar chinês para chineses. Mas, no terceiro ano da faculdade, me deparei com essa possibilidade e passei a pesquisar mais sobre isso. Então, percebi que podia seguir por esse caminho.”

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Ser uma chinesa em terras brasileiras, no entanto, não era – nem é – uma empreitada simples. Desde a comida até a violência que prejudica, todos os dias, tantos brasileiros, Si Liao teve que encarar diversos contratempos. Ainda assim, nem as adversidades ou a distância entre os dois países a pararam. Hoje, ela comanda o Pula Muralha, o maior curso de mandarim do Brasil.

Malas prontas

Si Liao
Sisi chegando, pela primeira vez, ao Brasil (Foto: Divulgação)

Si Liao nasceu em Yueyang, uma cidade chinesa de 5 milhões de habitantes localizada no norte da província de Hunan. É na sua cidade natal que está o lago Taihu, terceiro maior da China. “Para a gente, é como se fosse um mar”, diz. Durante toda a sua infância e adolescência, Sisi nunca havia saído de lá, por isso, ao observar a imensidão das águas, perguntava-se o que existia além.

Mas ela logo descobriu. Aos 18 anos, Si Liao se mudou para a província vizinha, Hubei, que não era nem tão longe, mas para ela significou um passo gigantesco. “Eu podia ir de trem da minha cidade até lá e levava mais ou menos uma hora para chegar. Mas, para mim, foi uma grande mudança, porque significava que iria sair da casa dos meus pais e viver na universidade. Mais do que isso: eu poderia começar a me relacionar com outras pessoas e viver uma vida meio adulta”, brinca. 

Uma vez que se mudar para uma província colada à sua já era uma aventura, imagina atravessar o oceano? Estudante de literatura em língua chinesa na graduação, foi a vida acadêmica que proporcionou uma mudança radical de endereço para Sisi. “Quando fiz mestrado em ensino de chinês para estrangeiros, descobri o intercâmbio para outros países e fiz a solicitação para participar da iniciativa em 2010”, relembra. Um ano depois, em fevereiro de 2011, Sisi estava com as malas prontas para o Brasil. 

Pratos típicos

Si Liao
No Brasil, Sisi tentou passar longe das comidas chinesas do bairro da Liberdade e se surpreendeu com a gastronomia brasileira (Foto: Divulgação)

Mas, claro, essa não foi uma mísera mudança de CEP. Na verdade, Si Liao se deparou com um idioma que não falava, comidas que não conhecia e uma cultura completamente diferente. “Como eu vim para cá com a cabeça totalmente aberta, tudo para mim era uma novidade. O contato que eu tinha no primeiro e segundo anos era com alunos, e muitos eram universitários, então, no início, eles me ajudaram muito na adaptação”, conta. Mesmo assim, ela sofreu no quesito gastronômico e aprendeu o que o brasileiro comia na marra.

“Eu não sabia o que se comia no Brasil. Apesar de ter tido a sorte de morar perto do bairro da Liberdade, não ia para lá todo dia.” Afinal, ela não havia percorrido 16 mil quilômetros para comer apenas comida oriental. Ao se aventurar pela gastronomia paulistana, Sisi descobriu uma paixão um tanto quanto inusitada: os restaurantes por quilo. “Neles podemos experimentar várias coisas”, ela se explica. Foi assim que ela descobriu a feijoada. Mas não foi só isso: as feiras livres também chamaram a atenção dessa chinesa curiosa.

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“Onde eu morava tinha uma feira em frente e eu não sabia como aquilo funcionava. Na China, as feiras parecem mercados, são tipo um sacolão. Eu não conhecia a feira nos moldes brasileiros. E tem a cultura de chamarem os fregueses de ‘flor’, de realmente acolherem o cliente. É tudo muito próximo e íntimo. Eu comprava muita coisa na feira, principalmente frutas, porque achava tudo muito gostoso e barato”, relembra Sisi.

Altos e baixos

Si Liao
Si Liao se formando na faculdade (Foto: Divulgação)

Claro, nem tudo são flores. Si Liao conta que tudo o que viveu no Brasil teve um saldo positivo. Mas nem ela acabou escapando das dificuldades de viver em uma cidade grande, que sofre todos os dias com a violência, fruto de desigualdades que afetam a capital paulista. 

“Não sabia que não podia usar celular e chamar muita atenção na rua, e que a violência é uma coisa muito séria aqui”, conta. Infelizmente, Sisi descobriu isso na prática, quando foi assaltada à mão armada com apenas dois meses de estadia no Brasil.

Ainda assim, seus primeiros dois anos em terras brasileiras lhe deixaram uma impressão positiva. Após o término do mestrado, em 2014, Si Liao voltou para a China, mas não demorou muito para voltar ao país que lhe adotou – e embarcou rumo ao Brasil mais uma vez. Agora, para um mestrado em relações internacionais, algo que acabou lhe afastando das salas de aula. 

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A professora voltou a ser aluna e viveu como nunca a saudade de fazer o que mais amava: lecionar. “Eu sentia no meu coração que precisava ensinar chinês, porque eu gostava muito daquilo e não tinha porque parar”, conta. A solução veio pouco depois. Com o incentivo do marido, ela migrou as aulas do presencial para o online e criou um canal no YouTube.

Transposição de muralhas

Si Liao
Sisi, empresária e youtuber, mas acima de tudo, professora (Foto: Divulgação)

“Ao ensinar pela internet, eu poderia falar não apenas com os meus alunos, mas com o país inteiro. Quando meu marido me abriu os olhos para isso, eu me assustei: o Brasil inteiro era algo muito grande para mim. Fiquei me perguntando se eu poderia, de fato, alcançar essa meta”, conta Sisi. Pode-se dizer que sim, ela alcançou. Afinal, foi por conta do Pula Muralha, o nome do seu canal, que Si Liao se tornou a professora por trás do maior curso de mandarim do país.

O título que ela possui orgulho de carregar foi conquistado com muita criatividade e esforço. No início, com um português ainda enferrujado, Sisi nem aparecia nos vídeos, apenas falava sobre imagens de fundo. “Não conseguia dizer tudo no automático, então sempre tinha uma preparação enorme para conseguir gravar”, relembra. Mas o tempo a ajudou a arrumar coragem e a dar a cara à tapa nos vídeos e na vida.

“O canal evoluiu bem rápido. Como esse é assunto muito nichado – afinal, naquela época, não tinha quase ninguém no YouTube, principalmente ensinando chinês -, o crescimento foi bem veloz”, conta. E, como uma coisa leva à outra, alunos interessados em aprofundar seus conhecimentos no idioma foram surgindo, e a demanda ficou tão grande que Si Liao precisou ampliar o negócio.

Foi assim que um canal do Youtube, atualmente com quase 800 mil inscritos, tornou-se uma edtech. “Em 2015, a gente tinha uma ideia de ensinar ideograma chinês de uma forma muito lúdica, fácil e simples, por meio de uma imagem. A proposta era fazer 60 cartas ilustradas para ensinar e interpretar a ideia dos ideogramas. E esse projeto fez muito sucesso, mais do que esperávamos. Foi com essa ideia das ‘cartas mágicas de chinês’ que também lançamos o curso online”, conta.

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Para isso, ela e o marido, que hoje é seu sócio, tiveram que pensar como empresários e colocar a mão na massa para produzir vídeos e exercícios, além dos cards personalizados para cada aluno. Hoje, Sisi se considera de tudo um pouco: youtuber, empresária e, acima de tudo, uma professora e amante da educação, dos idiomas e da cultura chinesa e brasileira. 

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