Personal friend: oferecer um ombro amigo pode ser uma boa maneira de fazer uma renda extra

Renata Cruz trabalha como amiga de aluguel há 20 anos e busca quebrar alguns paradigmas relacionados ao trabalho
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Para que se entenda melhor o cenário, no entanto, é preciso deixar uma coisa bem clara: amigos não substituem psicólogos (Foto: Pexels/Pixabay)

Durante os quase 13 anos em que viveu em Lisboa, capital portuguesa, Renata Cruz se acostumou com uma rotina curiosa: encontrar-se com pessoas desconhecidas que precisavam de um ombro amigo para desabafar. Inicialmente, o costume surgiu como um hobbie – sem cobrar nada pela amizade de curta duração. “Uma amiga colocou um anúncio na internet se oferecendo para conversar com as pessoas. Do dia para a noite, ela começou a receber muitas ligações, até que a demanda ficou insuportável e eu comecei a ajudá-la”, lembra a brasileira. 

Desde jovem, Renata sempre gostou de conversar, então, para ela, foi fácil começar a atender as pessoas. Sem relação alguma com psicologia ou coach, conta que simplesmente oferecia um ombro amigo para pessoas que precisavam desabafar e tinham vergonha de compartilhar alguns assuntos com pessoas próximas. Entre tantos relatos, ela lembra, por exemplo, de mulheres que haviam sido expulsas de casa por conta de uma gravidez indesejada e que tinham vergonha de lidar com questões da própria sexualidade. “Eu nunca lidei apenas com pessoas solitárias. Muitos dos que se encontravam comigo tinham amigos, mas não queriam compartilhar alguns assuntos com eles.” 

Para ela, que gostava de conhecer gente nova, não era nada penoso sair de casa para se encontrar com desconhecidos: era até divertido, embora sempre tenha tomado o cuidado de marcar os encontros em locais públicos. Quando algumas cobranças começaram a surgir, no entanto, Renata percebeu que o serviço que estava prestando podia ser mais do que um simples hobbie. “Eu tinha que disponibilizar tempo e gastar com transporte, já que pegava o meu carro e ia ao encontro das pessoas”, conta. “Teve um dia em que eu viajei de Lisboa até Sintra – uma distância de cerca de meia hora – e, quando cheguei ao local, a pessoa tinha desistido. Fiquei lá esperando e isso me fez virar a chave: e se eu começasse a cobrar e fizesse disso um trabalho?” 

Formada em direito e trabalhando na área de imóveis, Renata já tinha um emprego fixo, mas os encontros como “conselheira” – como ela chamava na época – podiam render uma espécie de renda extra. “Eu já fazia o trabalho há cerca de um ano e tinha muita demanda, então comecei a cobrar € 10 por cada hora de conversa.” Com o passar do tempo, esse valor foi aumentando. Em 2017, seu último ano morando em Portugal, já cobrava € 75 por 1h15 de conversa e, embora equilibrasse o trabalho com seus outros empregos, em alguns dias conseguia marcar quatro encontros, o que gerava uma renda extra de até € 300 em apenas um dia oferecendo um ombro amigo. 

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Quando chegou ao Brasil, em meados de 2017, percebeu que o serviço não era tão conhecido por aqui como em Portugal. Na realidade, quando tentava explicar, deparava-se com alguns preconceitos quanto aos termos “amigo de aluguel” e “acompanhante”. “Os brasileiros acham que o trabalho tem conotação sexual. Quando tento explicar que não tem nada a ver, eles dizem que pagar para ter um amigo é o fim do mundo. Essa é a minha maior dificuldade desde que voltei da Europa: quebrar paradigmas.” 

Ao perceber a quantidade de dúvidas que seu trabalho gerava, Renata começou a pesquisar mais sobre o assunto, até descobrir que existia uma profissão para definir o que ela fazia: personal friend, um negócio muito rentável em países como o Japão. “O título já está ficando conhecido nos Estados Unidos e na Europa, embora eu tenha me denominado como ‘conselheira’ por tantos anos”, brinca. “Mesmo assim, lá esse trabalho é mais aceito. Eu tenho clientes que atendo há cerca de oito anos. Continuo conversando a distância com eles, que gostam da minha companhia. Aqui no Brasil também tenho alguns mais longevos, mas é bem mais difícil”, revela. 

Renata conta que o julgamento é o maior empecilho à sua atuação. “Já tive clientes que cancelaram o atendimento por vergonha. Qual o problema em procurar alguém para conversar?”, questiona. “Não analisamos pessoas, não fazemos julgamentos e não damos diagnóstico. Estamos apenas ouvindo.” Para ela, que acredita que o serviço de personal friend pode  ser uma solução rápida para aqueles que não conseguem se abrir com pessoas próximas – ou até para idosos que ficam muito tempo em casa sozinhos -, o grande sonho é fazer com que a população conheça o termo e entenda melhor a sua funcionalidade. 

RESPONSABILIDADE E RISCOS 

Para que se entenda melhor o cenário, no entanto, é preciso deixar uma coisa bem clara: amigos não substituem psicólogos. Além disso, é preciso ter muita responsabilidade para lidar com pessoas que estão passando por questões psicológicas. “Atender uma pessoa que está pagando para conversar é diferente do que falar com um amigo. Precisa ter muito mais responsabilidade com as palavras e com o ato de ouvir. Não é tão fácil quanto parece e não podemos colocar nossas convicções sobre a situação. Apenas ouvir”, ressalta Renata. 

Como esse não é um trabalho regularizado, é preciso ter muito cuidado com golpes e crimes virtuais. Por isso, marcar encontros em locais públicos é essencial para a segurança de ambos os envolvidos. “No meu caso, eu sempre falei mais com mulheres, mas também já conversei com homens. Quando é algo muito sério, eu indico um tratamento médico, mas, muitas vezes, o que ouço são questões do dia a dia”, explica. “Divórcios, por exemplo, são assuntos muito falados. Às vezes as pessoas querem falar sobre isso, mas sentem que estão tomando o tempo dos amigos e sendo monotemáticas, então marcam um encontro comigo para continuar falando.” 

Além disso, ser personal friend não é algo que enriquece. Sendo assim, a dica de Renata é: faça apenas se você realmente gosta de ouvir e apoiar pessoas. “Eu não conheço ninguém que faça renda apenas com esse trabalho. É uma forma de fazer dinheiro extra e ajudar outras pessoas. Não vá apenas pelo dinheiro.” De certa forma, ainda há muitas dúvidas sobre o futuro da profissão no país: será regularizada, almejada e divulgada? Ou não se encaixa na cultura brasileira? 

Renata não tem as respostas para essas perguntas, mas se orgulha de ter oferecido um momento empático e de compreensão às pessoas com quem já conversou ao longo desses 20 anos como personal friend. “Após muito tempo de prática, vamos sabendo como lidar melhor com questões tão sérias”, conclui.

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