Por que ainda vemos tanta impunidade em casos de assédio?

Mesmo com tantos avanços, ainda é comum vermos casos de assédio sendo descredibilizados. Está na hora de mudar essa realidade.
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“Era só uma brincadeira”. “Ela estava pedindo”. “Primeiro falou que queria, depois vem mudando de ideia e quer ter razão?”. “Ela estava lubrificada”. Quantas vezes ouvimos homens usando essas (e outras) desculpas para tentar justificar casos de assédio que acontecem diariamente? E quantas vezes esses casos continuam impunes?

Uma pesquisa realizada em setembro do ano passado (2022) pelo Ipec e o Instituto Patrícia Galvão, com apoio da Uber, mostrou que, no Brasil, 45% das mulheres afirmam que já tiveram o corpo tocado sem consentimento em local público. Apenas 5% dos homens, no entanto, confirmaram que já fizeram isso. A conta não fecha. E muito disso acontece justamente por essa negação masculina do que de fato é ou não assédio, além da dificuldade da sociedade como um todo em penalizar os assediadores.

Para Julia Spinardi, advogada associada do Cescon Barrieu Advogados nas áreas de Direito de Família, Sucessões e Planejamento sucessório e patrimonial, historicamente há um grande descrédito das vítimas de assédio sexual. “É incontestável que isso se deve, em grande medida, ao machismo ainda tão presente em nossa sociedade”, aponta. Esse descrédito, para a profissional, acaba contribuindo para que as vítimas, muitas vezes, demorem para buscar ajuda e reportar os crimes, o que, por sua vez, dificulta a coleta de provas e o julgamento correto.

Os números escancaram que ainda há uma grande negação e uma clara diferença na forma em que homens e mulheres enxergam (ou assumem) certas situações. Ainda segundo dados da pesquisa citada, divulgada pelo G1, 41% das brasileiras já foram xingadas ou agredidas por dizerem “não” a uma pessoa que estava interessada nelas, 32% delas afirmaram ter passado por situação de importunação ou assédio sexual no transporte público e 31% declararam que já sofreram tentativa ou abuso sexual. Entre os homens que participaram da entrevista, no entanto, nenhum reconheceu que praticou importunação ou assédio sexual no transporte público.

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Para Júlia, essa situação muito vista hoje, em que homens não assumem o que fizeram ou realmente acreditam que não fizeram nada de errado, também está diretamente ligada à realidade machista que ainda vivemos. “Este tipo de situação acontece em razão do machismo que ainda pauta a educação de grande parcela de nossa sociedade. A objetificação do corpo feminino é muito presente no ideário masculino – e até mesmo de parte das mulheres. Esta narrativa traduz a conhecida conduta de culpabilização da vítima, o que é inaceitável”.

A culpabilização da vítima, citada pela advogada, é justamente o uso de frases como as descritas no começo deste texto. A ideia de que, por exemplo, por estar usando um shorts curto na rua, uma mulher está pedindo para ser olhada, tocada, desejada. A ação, muito comum entre casos de assédio, consiste, em linhas gerais, em buscar justificar o injustificável com características da vítima no momento do crime, usando artifícios como as roupas usadas, o comportamento e, até mesmo, o grau de alcoolismo no momento. 

A impunidade segue predominante

A soma desses fatores resulta em uma realidade difícil de ver e nada animadora para mulheres. Justamente por essa descrença, culpabilização da vítima e dificuldades nos processos, muitas acabam optando por deixar de lado e não vão de fato para uma delegacia prestar queixas e seguir com medidas legais contra o agressor.

Infelizmente, entre as poucas que decidem de fato denunciar, os números também não se mostram animadores. Segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU) divulgados pelo Diário do Comércio, até o ano passado, dois em cada três processos de investigação por assédio sexual na administração pública federal terminaram sem nenhuma punição. De 2008 a junho de 2022, foram instaurados 905 processos correcionais para apurar casos de assédio sexual, dos quais 633 foram concluídos e 272 estão em andamento.

Júlia Spinardi tenta ver a realidade futura com esperança. “O cenário está caminhando, mas não há dúvida que o Brasil ainda não conduz os casos de assédio da forma mais adequada. Há grande invisibilidade deste tipo de crime por aqui, o que é retrato de uma sociedade ainda muito patriarcal”.

Para ela, trazer cada vez mais casos de assédio ao público em jornais e mídia no geral (com a medida certa e sem espetacularização) deve ajudar a formar a cabeça de brasileiros e brasileiras daqui para frente, colaborando para o entendimento da gravidade da situação e – consequentemente – da punição por esses atos.

Além da necessidade de falar sobre o assunto e trazê-lo à tona, no âmbito legal, a advogada acredita que leis mais rígidas são essenciais para diminuir a impunidade em casos de assédio no Brasil. “Tornar as leis mais rígidas, além de necessário, certamente ajudaria muito na adequada responsabilização daqueles que praticam tais crimes, bem como colaboraria para a maior conscientização acerca da gravidade deste tipo de conduta, tanto para homens quanto para mulheres”.

Não fique calada!

Por mais difícil que possa ser, o primeiro passo para diminuir a impunidade em casos de assédio no Brasil é a denúncia. Se você, mulher, passar por qualquer tipo de assédio, não deixe de denunciar.

Além das delegacias tradicionais, você também pode buscar as delegacias especializadas da mulher ou, se preferir, ligar para o Disque 180, que consiste em um serviço de denúncia para relatar violência contra a mulher.

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