Empresas que se preocupam com violência doméstica estão à frente no seu segmento

Saber identificar quando uma mulher está nesta situação e a abordagem correta fazem toda a diferença
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ATENÇÃO: O texto inclui assunto sensível e pode causar gatilho.

Heloísa* conheceu o ex-marido na faculdade: ele era professor, ela a aluna dedicada. Ele era casado, ela era noiva. Apaixonaram-se, ele deixou a esposa, ela terminou o noivado e foram morar juntos. Ela se mudou para a casa dele, em outra cidade, engravidou no mesmo ano e, a pedido dele, deixou de trabalhar. Parece um conto de fadas moderno, em que o rei encontra a princesa e decidem formar um novo reinado. Mas, com o nascimento da filha, as coisas entre eles começaram a mudar. “Ele já não me dava mais tanta atenção, chegava sempre tarde e cansado em casa e a família parecia ser um fardo, que só eu precisava carregar”, conta. Ele foi ficando cada vez mais controlador, ela não tinha acesso a dinheiro ou cartões de crédito e, se precisasse de algo do supermercado ou da farmácia, tinha que passar uma lista. “Nem sempre ele trazia tudo o que eu pedia”. O rei virou sapo.

Talvez não soubesse, mas Heloísa viveu por anos (12 no total) como vítima de violência doméstica. A triste rotina de Heloísa está longe de ser uma exceção: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), dados da violência doméstica contra mulheres apontam que uma em 3 mulheres (35%) em todo o mundo sofrem violência física e/ou sexual por parceiro íntimo ou violência sexual por não parceiros durante a vida, sendo considerada um sério problema de saúde pública. “A violência acontece quando se tem uma figura dominante que impõe medo sob a outra pessoa, impedindo-a de tomar suas decisões”, explica a psicóloga Laís Sellmer, que atende mulheres nessa situação.

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Mas como gestores podem identificar vítimas de violência doméstica e ajudá-las a sair do ciclo que as prende?

De acordo com o II Relatório da PCSVDFMulher, Violência Doméstica e seu Impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres, “mulheres submetidas a situações de violência doméstica apresentam menor capacidade de concentração e de tomar decisões no trabalho. ”

Outros fatores para se atentar são o estresse, as faltas frequentes e a diminuição da produtividade. “Isso gera uma bola de neve, pois acentua o desemprego e a torna ainda mais dependente financeiramente de seu agressor”, explica a psicóloga Bruna Silva.

Mas, ao identificar uma vítima de violência, é preciso cuidado. “Uma das medidas não é abordar diretamente, porque muitas mulheres se sentem culpadas por estar nessa situação. Por isso é importante que nos canais de comunicação da empresa sempre tenha mensagem de acolhimento, informações sobre denúncia e se a empresa puder oferecer acolhimento através de um serviço psicológico é interessante”, explica Laís.

O estudo aponta que “empresas que se atentam para essa problemática estão à frente no seu segmento.” Por isso, estar próximo aos seus profissionais, abrir espaços seguros para conversas, é crucial para identificar que algo não está bem. “Outro caminho é ter profissionais voltados para saúde mental disponíveis na empresa ou conveniados”, acrescenta Bruna.

Paula* é uma profissional bem-sucedida. Recentemente conseguiu uma promoção no escritório em que trabalha, cria os filhos, administra a casa. Quem a vê hoje não imagina as violências que passou com o ex-marido. “A gente fica tão envolvida na trama que não consegue enxergar o óbvio”, conta. Para ela, a violência começou de forma sutil. “Primeiro começaram as agressões verbais, que eram em forma de brincadeira, me chamando de burra, incapaz. Depois, a ira foi crescendo, alguns objetos eram arremessados em brigas que eu nem sabia como tinham começado, até que a agressão virou física. Um empurrão, um tapa. Fico com vergonha de lembrar. Depois das brigas, tudo parecia ficar bem, ele ficava calmo, fazia agrados, trazia flores, fazia promessas de amor eterno. Até que as agressões voltam de novo. É um ciclo. ”

Para Paula, a separação só aconteceu por conta dos filhos. “Um dia ele ficou tão violento que ameaçou matar minha filha adolescente só porque ela arrumou um namorado. Ela saiu de casa para morar com minha irmã e disse: ou ele ou eu. Foi difícil, mas fiquei do lado dela. Quando penso quanto tempo demorei para tomar uma atitude, fico constrangida”.

“Acolhimento às vezes significa dar espaço para a pessoa que pode não querer abordar o assunto. Caso ela queira abordar, novamente tente não julgar, porque a vítima normalmente é culpabilizada pelo agressor”, explica Laís.

“A separação foi muito difícil, um luto mesmo, parecia que parte de mim tinha morrido. Foi quase um ano assim, mas hoje, quase 7 anos depois, comemoro e vejo que todos os aspectos da minha vida melhoraram. Sem as agressões, minha autoestima melhorou, consegui focar mais no trabalho e as promoções vieram”.

As agressões restringem o desenvolvimento das potencialidades da mulher, inclusive a sua inserção e produtividade no mercado de trabalho.

Para Heloísa, não foi tão fácil. Filha de pais alcoólatras, ela teve uma infância complicada. “Meus irmãos também não se acertaram na vida e, quando me separei, não tinha renda, profissão ou qualquer apoio familiar. Aceitei um emprego que pagava pouco, mas de meio período para que cuidasse da minha filha no período oposto ao escolar. O pai dela paga o mínimo de pensão que pode, as coisas são escassas, não consigo pagar um aluguel decente. Saí de um caos para vivenciar outro.”

Segundo a OMS, as mulheres são mais propensas a sofrer violência pelo parceiro íntimo se tiverem baixa escolaridade, exposição a mães sendo abusadas por um parceiro, abuso durante a infância e atitudes de aceitação da violência, privilégio masculino e status de subordinação das mulheres.

Portanto, dar oportunidades para mães solo é também uma questão de responsabilidade social.

Como funciona o ciclo da violência (de acordo com o Instituto Maria da Penha)

Como identificar vítimas de violência doméstica

  • Não existe um perfil específico de quem sofre violência doméstica. Qualquer mulher, em algum período de sua vida, pode ser vítima desse tipo de violência. Estar aberto ao diálogo, oferecer espaços seguros para funcionárias, é um dos melhores caminhos
  • O comportamento da pessoa muda, algumas ficam mais reativas, agressivas e outras pessoas se deprimem bastante. Perdem o brilho que tinham.
  • Há normalmente uma mudança de comportamento muito acentuada. Além da pessoa possuir às vezes marcas visíveis

*Os nomes das vítimas de violência doméstica foram modificados para preservar sua identidade

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