Elas ensinam: 10 mulheres que provam que vale a pena investir na educação brasileira

Professoras, coordenadoras ou até diretoras, elas dedicam a vida para transformar a realidade do ensino no Brasil
JOB_03_REDES_SOCIAIS_EQL_AVATARES_QUADRADOS_PERFIL_v1-02

Se hoje as mulheres são destaque na arte de lecionar, vale lembrar que nem sempre foi assim. Foi preciso muita reivindicação para que elas tivessem direito à educação. No Brasil, por exemplo, as mulheres só foram autorizadas a se matricular em instituições de ensino a partir de 1827. Antes disso, brancas, negras, indígenas, ricas ou pobres, de qualquer faixa etária, eram proibidas de estudar. 

Hoje, quase 200 anos depois, elas foram muito além da garantia do direito de aprender, tornaram-se referência no ensino e são consideradas os pilares da construção educacional da população brasileira. De acordo com a “Sinopse Estatística da Educação Básica 2020”, elaborada pelo Inep, dos 2.189.005 de docentes da educação básica, 1.738.512 (79,42%) são mulheres.

LEIA TAMBÉM

Já na educação superior, o número de professoras também é alto, mas ainda é menor do que o de professores. A pesquisa mostra que, tanto na rede privada (48,16%), quanto na rede pública (45,18%), elas estão quase igualando a porcentagem deles.

Apesar de muitas conquistas ao longo dos anos, estar em sala de aula e lidar com os problemas de desigualdade social e de gênero, ainda muito presentes no Brasil, não é uma tarefa fácil. Falta de estrutura, salários baixos e evasão escolar também são algumas das principais reclamações das professoras brasileiras.

E com razão. Em 2019, uma pesquisa mostrou que Brasil tinha 10,1 milhões de jovens de 14 a 29 anos que não frequentavam a escola e nem tinham concluído o ensino médio, sendo que 7,2 milhões deles pretos ou pardos.

O levantamento revelou ainda que metade dos rapazes que abandonaram a escola alegaram que precisavam trabalhar. Entre as mulheres, 23,8% deixaram os estudos porque ficaram grávidas e 11,5% por causa dos afazeres domésticos. As informações são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O estudo “Infância, Gênero e Orçamento Público no Brasil” aponta que questões como o machismo e a falta de verbas e políticas públicas de gênero fazem com que adolescentes e mulheres tenham uma evasão escolar 29 vezes maior que os homens para cuidar da casa ou de alguém. O levantamento foi feito pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Ceará.

Com mais de 20 anos de carreira, a professora Edileuza Fracaro, que hoje atua como coordenadora da Escola Estadual Dr. Secundino Dominguez Filho, em São Paulo, avalia que as meninas assumem, desde muito cedo, tarefas domésticas em seus lares, principalmente cuidados de outros irmãos. “A gente observa que isso é um dos fatores que mais as afastam das escolas. Algumas procuram cursos noturnos, mas nem sempre encontram apoio e suporte nessas instituições.”

Além das tarefas domésticas e da gravidez precoce, um outro fator que afasta as meninas das instituições de ensino é a pobreza menstrual. 

Sem entender por que a escola que trabalhava em Camaçari, na Bahia, tinha uma alta taxa de evasão escolar do público feminino, a professora Edicleia Pereira Dias foi investigar, em 2014, o que levava as alunas a faltarem todos os meses por vários dias consecutivos. 

O resultado: a educadora relacionou a ausência das estudantes à falta de acesso a absorventes. Na época, ela iniciou um projeto social com o objetivo de arrecadar doações de produtos de higiene para as garotas e criou o banco de absorventes.

E essa não é uma situação isolada. Um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que cerca de 4 milhões de meninas brasileiras não têm acesso a itens básicos de cuidados menstruais nas escolas, como sabonete e até banheiros. Outras 713 mil vivem sem acesso domiciliar a banheiro ou chuveiro, o que também é um fator ligado à pobreza menstrual, enquanto 900 mil não têm água canalizada.

Assim como Edileuza e Edicleia, existem milhares de outras professoras que atuam na educação do Brasil para fazer a diferença. Veja, a seguir, 10 mulheres que se destacam e fazem do ensino um dos pilares para transformar o Brasil:

Belmira Bueno 

Belmira Bueno (Foto: Divulgação/USP)

Belmira Amélia de Barros Oliveira Bueno é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e diretora executiva da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest).

Entre os anos de 2014 e 2018, ela também foi diretora da Faculdade de Educação da USP. Em 2019, recebeu uma homenagem, tendo o seu retrato fixado em uma das paredes da universidade pelos serviços prestados à instituição de ensino e à educação brasileira.

“As dificuldades que a universidade enfrentou nos últimos anos só foram superadas graças ao empenho de pessoas como a Belmira. Os diretores não são apenas responsáveis pela gestão das respectivas unidades, são também os dirigentes da USP. E é em agradecimento ao seu trabalho que a homenageamos hoje”, ressaltou o reitor Vahan Agopyan na ocasião.

Ao ocupar cargos de relevância em importantes instituições de ensino ao longo de sua carreira, Belmira é uma defensora ferrenha do aumento da diversidade na educação superior brasileira. Ela sempre salientou a importância das cotas, principalmente para incluir os alunos das classes mais desfavorecidas. 

Débora Garofalo


Débora Garofalo (Foto: Reprodução)

Em 2019, Débora Garofalo se tornou a primeira mulher sul-americana a ser finalista no Global Teacher Prize, prêmio que elege os melhores professores do mundo. A premiação é considerada o Nobel da Educação.

O título foi conquistado graças ao seu trabalho no ensino da robótica a partir da reciclagem de sucata na Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Ary Parreiras, instituição localizada entre quatro grandes favelas da zona sul de São Paulo (Alba, Vietnã, Beira Rio 1 e 2).

A professora conta que o trabalho de robótica com sucata nasceu de um problema real. O lixo impedia crianças de irem para a escola em dias de chuva e trazia doenças como dengue e leptospirose.

No ano em que foi premiada, o projeto “Robótica com Sucata Promovendo a Sustentabilidade” já tinha recolhido cerca de uma tonelada de lixo das ruas do bairro Vila Babilônia, com o objetivo de transformar o material em circuitos eletrônicos.

Para ela, o maior desafio sempre foi mostrar que os alunos poderiam ser protagonistas na superação dessa dificuldade. “Precisamos compreender que a educação pode ser transformadora e que o estudante é o centro do processo. Devemos quebrar velhos paradigmas e trazer inovação para dentro da sala de aula”, diz.

Com a repercussão do seu trabalho, Débora foi chamada para atuar na Secretaria Estadual de Educação, onde permaneceu até se tornar a atual coordenadora do Centro de Inovação da Educação Básica Paulista (CIEBP).

Débora Seabra

Débora Seabra (Foto: Divulgação)

Natural de Natal, no Rio Grande do Norte, Débora Seabra é a primeira pessoa da América Latina com síndrome de Down a se tornar professora. Ela hoje atua como professora assistente de educação infantil em uma escola privada da cidade.

Para conseguir se formar, teve que enfrentar muitas dificuldades. Na época do curso de magistério, precisou fazer greve para não entrar na sala de aula enquanto não fosse aceita como igual. Ela sempre mostrou que a transformação viria da inclusão.

Além de atuar nas salas de aula, Débora é autora do livro de fábulas inclusivas “Débora Conta Histórias” e costuma ministrar palestras no Brasil e no mundo sobre inclusão e a importância da representatividade.

Em 2015, Débora ganhou o Prêmio Darcy Ribeiro de Educação, promovido pela Câmara dos Deputados em reconhecimento de trabalhos e ações que se destacam na defesa e promoção da educação no Brasil. Seu destaque também a levou a ser uma das escolhidas para a condução da tocha nas Olimpíadas e Paralimpíadas Rio 2016.

VEJA TAMBÉM

Em 2019, a Turma da Mônica chegou a homenageá-la no projeto “Donas da Rua”. A iniciativa, que ganhou uma exposição, selecionou mulheres que contribuíram para a história da humanidade

Êda Luiz

Êda Luiz (Foto: Divulgação)

Com mais de 35 anos de carreira e responsável pelo projeto educacional do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) do Campo Limpo, escola de São Paulo que virou referência nacional de educação inclusiva, Êda Luiz dedicou sua vida a transformar a educação brasileira.

Sob sua gestão, o Cieja foi pensado para acolher alunos de 15 anos ou mais com dificuldades para se manter no ensino regular, seja por deficiências físicas, mentais ou qualquer outro motivo. 

Baseada em pilares de acessibilidade, participação e diálogo, o centro foi reconhecido em 2017 pela Unesco como uma das Escolas de Educação Transformadora para o Século 21.

Êda começou a lecionar aos 15 anos, como professora substituta, quando ainda cursava o antigo magistério. Ao longo de sua carreira, passou por várias escolas e diferentes modelos de ensino. 

Na década de 1980, conheceu o educador Paulo Freire em um curso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Esse contato abriu minha visão para as necessidades educacionais. Tornou-se necessário para mim construir uma educação que dialogasse com a realidade das pessoas”, explicou numa entrevista. 

Com o desafio de ensinar aos excluídos e o sonho de desenvolver um modelo de escola democrática, ela sempre defendeu que a instituição de ensino precisa ser um espaço educativo aberto à comunidade, com livre acesso. 

A educadora também foi professora em escola rural e na antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). Em 2018, aos 70 anos, Êda decidiu se aposentar.

Edicleia Pereira Dias

Edicleia Pereira Dias (Foto: Divulgação)

Para combater a evasão escolar das alunas em uma escola de Camaçari, na região metropolitana de Salvador, a professora Edicleia Pereira Dias decidiu montar um banco de absorventes. A ideia era que as alunas tivessem acesso ao produto tanto na escola quanto em casa.

A iniciativa surgiu a partir de 2010, quando a professora e a direção da instituição de ensino perceberam que as alunas estavam deixando de ir às aulas alguns dias do mês. 

Nas contas da professora, a condição de vida dessas garotas e a falta do absorvente resultam em uma média de 40 a 50 faltas no ano letivo. Com o banco de absorventes, segundo Edicleia, o período de permanência na escola aumentou.

Edileuza Fracaro

Edileuza Fracaro (Foto: Divulgação)

Apesar de hoje atuar como coordenadora da Escola Estadual Dr. Secundino Dominguez Filho, em São Paulo, Edileuza diz que a carreira de professora ainda é muito presente na sua rotina, seja nas reuniões com a equipe docente, nas conversas com os alunos ou na preparação do ano letivo. Com mais de 20 anos de experiência em salas de aula, ela lembra com carinho de um dos projetos mais importantes de sua trajetória.

Em meados de 2010, a professora de história percebeu que os seus alunos estavam com muita dificuldade de acompanhar o conteúdo – na época, sobre a Segunda Guerra Mundial. “Eu tive a ideia de unir duas coisas para tentar resolver aquele problema. A leitura de livros que podia transportá-los para a realidade que eu estava falando e um projeto no final do ano para montar cenários com fragmentos da nossa leitura”, lembra. 

Por vários anos, a cada turma, ela mobilizava a escola a comprar centenas de exemplares do livro “O Diário de Anne Frank”. A professora dividia o tempo das aulas entre o ensino e a leitura. “Líamos em sala de aula capítulo por capítulo. Eles ficavam encantados e muito curiosos para entender as barbaridades do nazismo. E, com isso, eu conseguia contextualizar a história de Anne Frank com tudo que aconteceu na Segunda Guerra.”

O livro “O Pequeno Príncipe”, do francês Antoine de Saint-Exupéry, também fez parte do projeto de leitura em sala de aula. No fim do ano, o projeto era construir um dos cenários do livro. “O meu propósito era fazer com que os alunos sentissem a história e não dar apenas uma aula com dados e estatísticas.”

Elisângela Dell-Armelina Suruí

Elisângela Dell-Armelina Suruí (Foto: Renato Pizzutto/FVC)

Em 2017, Elisângela Dell-Armelina Suruí foi eleita Educadora do Ano pela Fundação Victor Civita (FVC) por seu projeto de alfabetização na língua indígena Paiter Suruí, em Cacoal, Rondônia. O projeto da professora foi batizado de “Mamug Koe Ixo Tig”, que significa “a fala e a escrita da criança”, e incluiu a elaboração de um material didático próprio em Paiter Suruí para os 15 alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, que estudam todos na mesma sala multisseriada.

Ela lembra que os estudantes tinham tanto dificuldades para escrever nesse idioma quanto de entender os materiais didáticos em língua portuguesa. Por isso, ela preparou, junto com eles, um caderno de atividades de escrita e leitura na língua materna, estabelecendo relações com a língua portuguesa e com a de sinais, já que existem muitos surdos entre o povo Paiter. 

Para que o projeto desse certo, a professora organizou o conteúdo de acordo com os saberes dos alunos, potencializando as possibilidades dos mais velhos e dando espaço para a ação dos mais novos.

OLHA SÓ

Elisângela garante que a iniciativa serviu para muito mais do que alfabetizar os 15 estudantes em seu idioma materno. Ela diz que, com o projeto, a língua deles nunca será esquecida.

Josy Silva

Josy Silva (Foto: Divulgação)

Em Teresina, no Piauí, a professora Josy Silva conseguiu transformar uma escola da rede municipal da capital e hoje é uma das docentes responsável por estruturar as práticas avançadas e bilíngues na educação da cidade.

Quando ingressou na pedagogia, ela lembra que era professora de sala regular, em escolas particulares, e nunca tinha tido um aluno surdo. “Mas, quando passei em um concurso para lecionar na rede pública de Teresina, me deparei com crianças com alguma deficiência”, lembra. 

Em 2016, o pequeno Werbert, na época com sete anos, era um aluno surdo, filho de pais ouvintes e não tinha uma identidade construída. “Eu já tinha estudado libras e tentava passar para ele, mas o aluno não aceitava, virava as costas e chorava. Ele queria ser como as outras crianças”, lembra a professora.

Foi quando ela decidiu criar o projeto “Somos Todos Libras”, com o objetivo de ensinar a Língua Brasileira de Sinais não só para alunos surdos, mas para todos os alunos e a gestão da escola. Josy sabia que não adiantava só o aluno surdo saber se comunicar por libras. Ele precisava que todos ao seu redor também estivessem empenhados. “Eu ensinava libras para todos eles, comprava cartolinas, desenhava e sentia que isso fazia toda diferença.”

Na visão de Josy, as pessoas têm a sensação de que, para incluir, é preciso fazer algo muito grandioso. “Não é verdade. Qualquer pequeno gesto pode fazer a diferença”, diz.

Joice Lamb

Joice Lamb (Foto: Divulgação)

Em 2019, a educadora Joice Lamb, de Nova Hamburgo, no Rio Grande do Sul, recebeu o prêmio de Educadora do Ano, da Fundação Victor Civita (FVC), na tradicional cerimônia de premiação do Prêmio Educador Nota 10. Ela e a equipe de professoras do ensino fundamental da EMEF Profª Adolfina J. M. Diefenthäler tiraram do papel o projeto “#AprendereCompartilhar – Escola Inovadora”.

A iniciativa foi pensada para desenvolver projetos de iniciação científica, debates e atividades envolvendo alunos de séries diferentes. Ela também criou ferramentas para ampliar a participação da escola e a sua comunidade nas decisões de gestão. A ação inclui a proposta de encaminhamentos, correções e melhorias das instituições, estimulando o senso crítico dos estudantes e incentivando sua presença e comprometimento com a escola.

Para a educadora, entre tantas atribuições que cabem ao coordenador pedagógico, encontrar tempo para desenvolver projetos é um desafio na rotina. Por isso, ela lembra que a missão transbordava o cargo e era preciso que todo mundo estivesse envolvido na solução dos problemas. 

Macaé Evaristo

Divulgação
Macaé Evarito (Foto: Divulgação)

Macaé Evaristo iniciou sua carreira como professora da rede municipal de São Gonçalo do Pará, em Minas Gerais, em 1984, aos 19 anos. Filha de professora, ela se inspirou na mãe e seguiu a profissão de docente. 

Além das salas de aula, transformar a educação brasileira em outras esferas sempre fez parte dos desejos da professora, que também foi a primeira mulher negra a ocupar os cargos de secretária municipal (2005 a 2012) e estadual (2015 a 2018) de educação, em Belo Horizonte e Minas Gerais, respectivamente.

“Atuei com a educação escolar indígena, como formadora de professores e como coordenadora em Minas Gerais. Essas experiências me mobilizaram a pensar a cidade e a interface da educação com outras áreas das políticas públicas, porque, para garantir o direito à educação, é preciso garantir uma boa saúde, qualidade de vida, moradia e segurança alimentar. Aprendi com os povos indígenas que não se separa a luta pela educação da luta pela terra”, acredita Macaé. 

Em 2013 e 2014, ela também foi titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação. Macaé Evaristo é assistente social, mestre e doutoranda em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Defensora de uma educação pública de qualidade para todos, foi eleita, em 2020, vereadora de Belo Horizonte pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Fique por dentro de todas as novidades da EQL

Assine a EQL News e tenha acesso à newsletter da mulher independente emocional e financeiramente

Baixe gratuitamente a Planilha de Gastos Conscientes

Conheça a plataforma de educação financeira e emocional EQL Educar. Assine já!

Compartilhar a matéria:

×