Elas denunciam: 7 mulheres que enfrentaram seus medos e tornaram públicas as agressões sofridas

Vítimas de maridos, médicos e chefes deram voz às suas experiências para ajudar quem passou por situações semelhantes
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Elas denunciaram os chefes, os maridos e médicos (Foto: Arte/EQL)

A violência contra o gênero feminino vai muito além de um bate-boca entre marido e mulher ou um tapa. É possível violar uma mulher sem nem tocar nela. Em 2020, o Brasil registrou, por meio dos canais Disque 100 e Ligue 180, mais de 105 mil denúncias do tipo. Desse número, 72% dizem respeito a violência familiar ou doméstica, enquanto 28% são referentes a violação de direitos civis e políticos – entram aí condições análogas à escravidão e até a dificuldade de acesso a direitos sociais. Este último é o caso de Verônica Oliveira. 

A influenciadora digital tentou fazer uma cirurgia de laqueadura duas vezes – sem sucesso. “O ginecologista nem se deu ao trabalho de iniciar o processo, veio logo com a desculpa de que eu poderia casar futuramente e meu marido ia querer ter filhos. Também argumentou que, em caso de falecimento de um dos filhos que eu já tenho, eu poderia querer ter outro”, conta Verônica. 

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A influencer denunciou sua situação nas redes sociais e percebeu que muitas outras mulheres haviam vivenciado situações parecidas. “Foi muito importante iniciar essa conversa e ver que ainda estamos longe de ter nossos direitos reprodutivos garantidos.”

Já o caso da empresária Ivani Serebrenic é bem diferente – e muito conhecido. Ela foi a primeira mulher a denunciar o ex-médico Roger Abdelmassih, especialista em reprodução humana e condenado a 278 anos de prisão por estupros em série. “É constrangedor, é uma exposição muito dolorida. Toda vez que você fala sobre o assunto, revive a história e expõe aqueles à sua volta. Mas eu, mais do que ninguém, sou a favor da denúncia”, conta Ivani.

Conheça, a seguir, 7 mulheres que denunciaram situações de violência, sejam elas físicas ou sociais:

Dani Calabresa

Elas denunciam: 7 mulheres que enfrentaram seus medos e tornaram públicas as agressões sofridas
Dani Calabresa denunciou Marcius Melhem (Foto: Reprodução/Instagram)

Humorista, roteirista e apresentadora brasileira, Daniella Maria Giusti, mais conhecida como Dani Calabresa, nasceu em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, em 1981. Formou-se em publicidade em 2004, mas se tornou famosa após fazer parte do Comédia Ao Vivo, um dos primeiros grupos de stand-up comedy do Brasil. Desde então, participou de diversos programas de humor, entre eles “Zorra” e “CQC”. 

Em 2020, em entrevista à revista “Piauí”, Dani e outras sete mulheres denunciaram Marcius Melhem, então diretor do núcleo de humor da Globo, emissora onde a humorista trabalha até hoje, por abuso e assédio sexual. 

A reportagem, que narra detalhadamente diversos episódios envolvendo Melhem, começa com a história de Dani. Durante uma confraternização do elenco de “Zorra”, o diretor a encurralou na saída do banheiro, forçou beijos, a imobilizou usando a força e colocou o pênis para fora da calça. 

Dias depois desse episódio, Melhem apareceu no estúdio de gravação – algo que não era comum, segundo fontes – para conversar com Dani. O que era para ser um pedido de desculpas, acabou se tornando mais um caso de assédio. Na ocasião, o então diretor global disse: “Eu não tenho culpa do que aconteceu! Quem mandou você estar muito gostosa?”. 

Após se mudar para os Estados Unidos, Dani Calabresa tomou coragem e denunciou os casos de abuso, que foram levados para Monica Albuquerque, chefe de desenvolvimento e acompanhamento artístico (DAA) da Globo. Segundo a revista, a decisão inicial foi a recomendação de terapia ao agressor.

O caso seguiu, então, para o diretor da área de entretenimento, esporte e jornalismo da emissora, Carlos Henrique Schorder, que ordenou o início de uma investigação interna. Em outubro de 2020, o contrato de Marcius Melhem com a Globo foi encerrado após 16 anos.

Deborah Kalume

Deborah Kalume denunciou João de Deus (Foto: Reprodução/Instagram)

Foi na busca por uma resposta ou milagre que a atriz Deborah Kalume foi abusada por um dos médiuns mais famosos do Brasil e do mundo. Em 2012, ela procurou João de Deus após um acidente de carro que deixou seu marido, o diretor de cinema Fábio Barreto, em coma por mais de 10 anos.

Quando Deborah e  João de Deus ficaram sozinhos, o médium pediu para que ela tirasse o sutiã. “Me deu uma sensação ruim. Mas, ao mesmo tempo, me culpei. Você tá louca? É uma espécie até de culpa pensar algo de errado daquele homem”, contou Deborah em entrevista.

Em seguida, João de Deus colocou a mão da atriz em seu pênis. “Eu travei e ele disse que eu estava atrapalhando a cura. Então, ele veio por trás e começou a se esfregar. Ele fazia tudo isso rezando Ave Maria”, contou. 

Deborah não foi a única mulher a denunciar João de Deus, que hoje está preso após ser condenado a 44 anos e seis meses por estupro contra duas mulheres e estupro de vulnerável contra outras duas vítimas no município de Abadiânia, em Goiás. 

Após a denúncia, Deborah voltou aos estúdios em 2020. Ao lado do filho João Barreto, ela participou da série “Rua do Sobe e Desce, Número que Desaparece”, uma produção exibida pelo Canal Brasil.

Isa Penna

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Isa Penna denunciou o deputado Fernando Cury (Foto: Reprodução/Instagram)

O ano era 2020, e a deputada estadual Isa Penna, na época filiada ao PSOL, vivia apenas mais um dia normal. Até que durante uma sessão no plenário na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), ela foi apalpada nos seios pelo deputado Fernando Cury, do Cidadania.

A importunação sexual, que aconteceu enquanto os parlamentares votavam o orçamento do estado, foi gravada pela TV Assembleia e Isa levou o caso adiante, fazendo uma denúncia nas redes sociais. Mesmo com o flagrante, Cury não perdeu o mandato. Na verdade, o deputado foi apenas suspenso do exercício parlamentar por 180 dias. Ainda que longe do ideal, a decisão foi inédita na Alesp.

Além disso, o Ministério Público fez uma denúncia contra Cury, que foi aceita por unanimidade pelos desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Com a decisão, será instaurada uma ação penal e Fernando Cury se tornará réu. 

Ivani Serebrenic

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Ivani Serebrenic denunciou Roger Abdelmassih (Foto: Reprodução/Instagram)

De uma infância humilde, com alfabetização tardia, ao empreendedorismo. A vida de Ivani Serebrenic daria um livro se abordássemos apenas as superações de uma infância na roça, da falta de comida ou da ausência de letramento até a adolescência. Mesmo assim, sua vida não foi marcada apenas por essas dificuldades. 

Aos 30 anos, bem-sucedida após uma extensa carreira em uma multinacional, Ivani e o marido tentaram engravidar, sem sucesso. Então, ela entrou em contato com a clínica de um médico famoso, que fazia milagre pelas celebridades. Foi em uma de suas consultas com Roger Abdelmassih que Ivani foi estuprada pelo ex-médico especialista em reprodução humana.

Mesmo revivendo a história toda vez que a conta, Ivani não se arrepende de ter denunciado. “É constrangedor, é uma exposição que se torna muito dolorida. Antes de ser vítima, eu sou mãe, sou esposa, sou tia e, nessa situação, a gente acaba expondo também toda a nossa família. Mas eu, mais do que ninguém, sou a favor da denúncia”, conta Ivani.

Na época da denúncia, que perdurou entre os anos de 2008 e 2009, Ivani tentava de tudo para que os filhos não vissem as entrevistas que ela dava e não lessem as matérias sobre o assunto. Ainda assim, não foi possível protegê-los por muito tempo. “Uma vez, minha filha me perguntou se era verdade que eu fui estuprada enquanto tentava engravidar deles”, relembra. 

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“Hoje as coisas estão diferentes, mas era muito constrangedor chegar em uma autoridade policial ou dar uma entrevista e dizer o que aconteceu. Até meu marido me dizia para não usar a palavra estupro. Eu estava denunciando um homem muito poderoso.”

Por ter sido a primeira a denunciar, Ivani sofreu por um tempo sozinha, cercada de descrédito. Mas ela compreende por que outras mulheres não fizeram o mesmo contra o médico, considerado na época quase um Deus da fertilização. “Eu fiquei durante um tempo sozinha nessa luta, sendo apontada e criticada. As pessoas diziam que eu queria dinheiro, aparecer ou me promover. Fui muito atacada naquela ocasião, porque demorou para que outras mulheres engrossassem a lista de denúncias”, conta.  

Com o passar do tempo, outras 60 mulheres prestaram queixa contra Abdelmassih. Em agosto de 2009, a prisão do médico foi decretada. Ainda assim, em 24 de dezembro do mesmo ano, um habeas corpus foi concedido por Gilmar Mendes – então presidente do Supremo Tribunal Federal – ao criminoso. 

No ano seguinte, o ex-médico foi condenado a 278 anos de prisão pela juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, acusado de 52 estupros de pacientes em sua clínica. Mais uma vez, Gilmar Mendes interveio e concedeu a Abdelmassih o direito de recorrer em liberdade, o que permitiu sua fuga do país. Ele foi capturado em 2014. “A justiça alivia muito a vítima”, diz Ivani.

Agora, ela convive com a dor e com os traumas. “Sou muito resistente a ir a um médico. Ir ao dentista é difícil para mim, porque fico muito próxima da pessoa, sinto o cheiro dela e isso me dá pânico”, relata.

Apesar do trauma, Ivani ajuda, por meio do seu trabalho como chanceler da paz mundial pelos direitos humanos, outras mulheres – principalmente em situação de vulnerabilidade social – vítimas da violência a encontrarem sua paz. Além disso, é mãe de trigêmeos, já adolescentes, tem duas empresas, cuida de casa e é esposa. 

Maria da Penha

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Maria da Penha denunciou o ex-marido Marco Antonio (Foto: Wikimedia Commons)

Foram 19 anos e seis meses em busca de justiça. Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em Fortaleza, em 1945. Farmacêutica de formação e mestre em parasitologia em análises clínicas, foi ainda na faculdade que conheceu o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, um homem muito amável, educado e solidário. O casamento dos dois não demorou a acontecer, assim como o nascimento das filhas. Assim que conseguiu a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente por aqui, Marco Antonio passou a demonstrar agressividade. 

O comportamento explosivo não afetava apenas Maria, mas também as meninas. Com a tensão, intermediada por pequenos alívios no dia a dia, criou-se um ciclo da violência muito comum: o aumento do estresse, um ato violento, o arrependimento do agressor e o comportamento carinhoso, que dá lugar, novamente, à tensão. E, assim, o ciclo começa mais uma vez.

Em 1983, Maria da Penha foi vítima de uma dupla tentativa de feminicídio. Durante a noite, enquanto dormia, Marco Antonio atirou nas costas da mulher. Ela ficou paraplégica por conta de lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda, sem contar outras complicações físicas e traumas psicológicos.

Após duas cirurgias, internações e tratamentos, Maria da Penha voltou para casa e a tentativa de feminicídio se repetiu. Marco Antonio a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.

Ciente da situação em que Maria se encontrava, amigos e familiares a ajudaram a sair de casa sem que isso caracterizasse abandono de lar, assim ela não perderia a guarda das filhas. Oito anos depois, Marco Antonio foi julgado e sentenciado a 15 anos de prisão, mas saiu do fórum em liberdade após recurso da defesa. 

O segundo julgamento foi em 1996, cinco anos após o primeiro. Mais uma vez o ex-marido foi condenado, agora a 10 anos e seis meses de prisão. Ainda assim, sob a alegação de irregularidades processuais por parte da defesa, a sentença não foi – mais uma vez –  cumprida.

Com repercussão internacional, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras em 2001. Cinco anos depois, a Lei Maria da Penha, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Shantal Verdelho

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Shantal Verdelho denunciou Renato Kalil (Foto: Reprodução/Instagram)

Foi assistindo ao vídeo do parto que a influenciadora digital Shantal Verdelho percebeu que havia sido vítima de violência obstétrica. Paciente do obstetra Renato Kalil – muito conhecido por atender uma série de celebridades -, Shantal tomou, como primeira providência, o registro do boletim de ocorrência no 27º Distrito Policial na zona sul de São Paulo. Ainda assim, antes de tornar o caso público, foi desacreditada por muitos à sua volta.

Já na hora do parto, Shantal sentiu-se incomodada com a manobra de Kristeller – prática banida pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde – adotada pelo médico. Por se tratar de uma técnica agressiva, que consiste em pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê, pode causar lesões graves. Mas, diante das imagens, Shantal notou outras violências.

“Como eu estava em posição ginecológica, algo que também pode ser considerado uma violência obstétrica se não for consentido pela mulher, eu não consegui enxergar algumas coisas no momento do parto. Entre elas a tentativa de abrir minha vagina e tirar a bebê antes de esperar uma próxima contração para que ela saísse naturalmente”, disse a influencer em uma entrevista.

Além das violências físicas, Shantal também sofreu diversas agressões verbais vindas do obstetra. “Ele me xingou o trabalho de parto inteiro. Ele falava: ‘Porra, faz força. Filha da mãe, ela não faz força direito. Viadinha. Não se mexe, porra’. Ele chamou meu marido e disse: ‘Olha aqui, toda arrebentada. Vou ter que dar um monte de pontos na perereca dela’. Ele falava de um jeito como quem diz: ‘Olha aí, onde você faz sexo, tá tudo fodido’”, contou Shantal.

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Após o caso de Shantal se tornar público, outras mulheres acusaram Renato Kalil de agressões, assédio sexual, comportamento antiético e gordofobia, o que levou o Ministério Público e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) a abrir uma investigação contra o obstetra.

Verônica Oliveira 

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Verônica Oliveira denunciou a impossibilidade de fazer uma laqueadura (Foto: Reprodução/Instagram)

A influenciadora Verônica Oliveira, conhecida por sua página @faxinaboa, teve o pedido de laqueadura, processo para a esterilização voluntária definitiva, negado pelo SUS. A cirurgia consiste na amarração ou no corte das trompas da mulher, evitando que o óvulo e os espermatozóides se encontrem. “Busquei por essa cirurgia depois do nascimento da minha primeira filha, quando eu tinha 19 anos”, conta. Assim que a assistente social viu a idade da influencer, o pedido foi negado.

Ainda assim, Verônica tentou fazer a laqueadura novamente após o nascimento do segundo filho. Dessa vez, os trâmites foram pelo convênio. “O ginecologista nem se deu ao trabalho de iniciar o processo, veio com a desculpa de que eu poderia casar futuramente e meu marido ia querer ter filhos”, relembra Verônica. Além disso, o médico abordou assuntos até delicados, mesmo que hipotéticos. “Ele disse que, em caso de falecimento dos filhos que eu já tenho, eu ia querer ter mais.”

A denúncia de Verônica não foi formalizada. Na verdade, ela nem fez uma, nem pelas redes sociais. Seu caso ficou conhecido só depois que ela respondeu à pergunta de uma seguidora no Instagram, e a história viralizou. 

Ao revelar seu caso para as seguidoras, Verônica descobriu que muitas mulheres passaram pela mesma situação. “Elas não se sentem donas de seus corpos. E eu não me arrependo de ter denunciado. Foi muito importante iniciar essa conversa e ver que ainda estamos longe de ter nossos direitos reprodutivos garantidos”, finaliza.

Saiba como denunciar

Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher: canal criado pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, que presta uma escuta qualificada às mulheres em situação de violência. A ligação é gratuita e o serviço, que funciona 24 horas por dia, encaminha as denúncias para os órgãos competentes.

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher – DEAM: as delegacias especializadas no atendimento ao público feminino estão espalhadas por todo o Brasil. No site do Conselho Nacional de Justiça, é possível descobrir qual a DEAM mais próxima de você. Além de ligações, alguns estados possibilitam o registro da ocorrência  de forma online

Ligue 190 – PMDF: em casos de emergência, o mais indicado é ligar para a polícia militar pelo 190, que envia uma viatura imediatamente ao local.

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